A opinião de ...

A ESPERANÇA VIOLADA

O mundo em que vivemos tem sido frequentemente qualificado como “um mundo de desigualdades”, com diferentes perspetivas de analistas numerosos, que multiplicam as áreas em que convergem na mesma conclusão. Os interesses dos investigadores dizem respeito às mutações políticas que são numerosas e de acelerações perturbadoras, às mudanças sociais que lhe estão associadas, às tecnologias que permitem frequentemente uma intervenção da ciência sem consciência, às mudanças ambientais que não encontram modo de dominar os interesses económicos que lhe desvalorizam a importância mesmo em face de múltiplos desastres. No passado, não muito recuado, foi procurado nos regimes da escravatura, hoje um tema que voltou à atualidade, e da colonização que criou a categoria de “terceiro mundo”, a causa da desafiante desigualdade a que a mundialização obriga, embora as intervenções das correntes justicialistas, que enriqueceram ideais democratas e socialistas de vários sinais, tenham aumentado a consciência da injustiça da circunstância que é imperativo enfrentar, assumindo uma ajuda, que luta com dificuldades, a exigir o que se vai chamando “governança”. Infelizmente deste globalismo vão-se conhecendo os efeitos, e muito pouco da estrutura, dos centros de decisão, dos interesses dominantes, que não são nem os das Declarações de Direitos nem os da Declaração de Deveres, nunca aprovada. O resultado é que o número de excluídos cresce, a guerra que não assume o nome alastra, e as desigualdades acentuam-se com as hipóteses da economia frequentemente tomadas por certezas. Com isto não se diminui o inventário das desigualdades, mas também não evita que tais desigualdades digam sobretudo respeito às relações Norte-Sul, porque se trata, como já foi anunciado, de uma “transnacionalização complexa”, que não distingue entre regimes autoritários e regimes democráticos. De facto atinge a área dos valores, e sobretudo da esperança. Um dos efeitos do verdadeiro terrorismo em que os portugueses têm sido atingidos pela destruição do património histórico, como o pinhal de Leiria, responsabilidade da distração longa do Estado, das vidas das vítimas, agora repetida, com elas a destruição do passado e do futuro dos vivos que suportam as consequências, é a violação da esperança e também da confiança no Estado. O Papa Francisco, em 1 de Dezembro de 2013, lembrou “como na vida de cada um de nós há sempre necessidade de voltar a partir, de tornar a levantar-se, de reencontrar o sentido da rota da sua existência, assim também a grande família humana precisa de renovar sempre o horizonte comum, em direção áquilo para que nos encaminhamos. O horizonte da esperança! É este o horizonte para se fazer uma longa caminhada”. Um dos serviços prestados pela oportuna, rigorosa, e fundamentada com autenticidade nos valores, da intervenção do Presidente da República, foi a de fazer compreender que são problemas humanos, quanto às gerações vítimas, atuais e futuras, que estão na primeira linha das exigências que têm de fazer ao Estado, a restauração da confiança, sejam quais forem as mudanças e responsabilidades a impor para lhe servirem de alicerce. O que se tem passado, talvez tenha de ser enquadrado, investigado, e enfrentado, como uma nova espécie de terrorismo, vista a sistemática dos factos. Mas ainda que essa perspetiva não mereça atenção e investigação dos serviços responsáveis, não há vantagem em receber pedidos de desculpas, porque a falta de organização do sistema da prevenção é indesculpável. Neste momento, de crescente geral angústia nacional, o sinal que foi intuitivamente lançado para a restauração da indispensável esperança, com restauração prévia da confiança no Estado a que chegamos, está na intervenção presidencial, com humildade, com determinação, e com lágrimas. Uma chamada à responsabilidade pelo presente dos atingidos, e pelo legado que será julgado pelas gerações futuras. Toda a falta de sentido do interesse comum, com a violação a favor de interesses partidários, seria uma grave violação dos deveres para com os direitos humanos em geral, e para com os deveres para com o povo português, que não pode perder ao mesmo tempo confiança na governança, símbolos da história, e a esperança geral no futuro que foi violada. É um facto que a própria União Europeia mostre sinais de tomar crescente consciência da necessidade de reorganizar a “governança”, entendida como o aparelho executivo de políticas sustentáveis, que exigem interdependências e cooperações clara e solidariamente definidas. A tragédia que atingiu os portugueses, para além das causas naturais, é um trágico exemplo de que a governança andou longe das necessidades e deveres.

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