A opinião de ...

PRESERVAR AS INSTITUIÇÕES

Começarei este texto, na época da celebração de uma instituição secular, que exige atenção de quem ainda tenha nascido e criado num ambiente europeu de amor ao seu País e ao seu Povo, e guardado a veneração por conceitos como Pátria, Nação, Fronteiras sagradas, Heróis, Descobridores, como o Clube Militar Naval, e que, quando descurados, ganham debilidade como elos seguros da história legada aos vivos, e guardando a veneração aos mortos, porque a comunidade é de homens e instituições, lembrando um comentário da obra de Roger Crowley, intitulada Conquistadores (2015). Trata-se de um trabalho sério, não é um dos folhetins que procuram a celebridade tomando o passado como objeto de entretenimento. Depois de reconstituir com rigor científico, e por isso sempre submetido a livre crítica, o passado dos Conquistadores, em que distingue Afonso de Albuquerque, conclui a página 358, desta maneira: “Hoje, em Belém, perto do túmulo de Vasco da Gama, da estátua do impaciente Albuquerque e da costa da qual os portugueses zarparam, há uma pastelaria e café venerável, a Antiga Confeitaria de Belém. É talvez um altar em homenagem à influência mais benigna de Portugal na aventura global. As multidões acorrem aí para provar a sua especialidade, os pastéis de Belém, tortas de natas cozidas até estarem douradas. Comem-se salpicadas de canela, acompanhadas com café puro como pez. Canela, açúcar, café; os sabores do mundo que ali chegaram em veleiros” tem de restar alguma coisa mais. Nos fins do século XIX, em que as condições de Portugal eram difíceis, não era certamente esta a visão que amargurava os marinheiros que iniciaram o Clube Militar Naval, não era o futuro sobrevivente que esperava que fosse deixado à história do globalismo que estamos a viver sofrendo, nem seria possível que se tomasse a sério descaraterizar o jardim Afonso de Albuquerque porque, nesta visão já não inspira nacionais nem turistas. Neste 2017, que me parece um século sem bússola, em decadência da capacidade de construir um futuro, em grande parte porque se ignora que essa tarefa exige o saber da história, sobretudo o que diz respeito ao legado que assegura a identidade nacional, torna hoje mais exigente e indispensável o espírito que animou a Marinha a construir o secular Clube Militar Naval, nesse fim de época marcado pelo fim do que fora o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Fora este uma criação de D. João VI, quando mudava a sede do governo para não ficar aqui, no continente, submetido, com perda da soberania, aos projetos napoleónicos. Recordo, mas não do lugar de onde me veio a memória que espero seja ainda correta, que Napoleão repreendeu Massena pela maneira desastrada de que o acusava, com que, Filho da Vitoria, soçobrara neste Portugal sem Rei presente. O Marechal teria respondido: as críticas que faz dizem respeito à estratégia de combate entre exércitos, ali era uma luta contra o povo. Quando em 25 de Abril de 1821, D. João VI regressou a Lisboa, ficaram no Brasil o filho D. Pedro e a torturada Maria Leopoldina de Áustria, sua mulher, que em 13 de Agosto de 1822 assumiu a Regência do Brasil por ausência do marido, afastado pelas circunstâncias, mas com a concordância e apoio do ilustre José Bonifácio de Andrade e Silva, assinou o Decreto da Independência, que o marido consagraria com o famoso “grito do Ipiranga” – Independência ou Morte. Tínhamos perdido a independência com D. Sebastião em Alcácer Quibir e com ela a liberdade nacional, perdíamos agora o Segundo Imperio, efeito colateral da aventura napoleónica. De fato foi uma das provas da condição de “exógeno” que de tempos a tempos afeta Portugal, e estávamos numa dessas épocas. Deixarei uma nota sobre a impressão que tenho de que D. João VI admitiu a reconstituição da unidade perdida, porque não declarou a perda do direito à sucessão portuguesa do filho que se declarava imperador do Brasil, e em Portugal não deixaram de levar a esse filho o instrumento da sucessão que originaria a Carta Constitucional, e a partir da qual optou por abdicar na pequenina que viria a ser, depois de muitas infelizes lutas civis, rainha Dona Maria II de Portugal, e no filho Pedro, ainda menino, a coroa do Brasil, para vir ele a ser simplesmente o General dos exércitos da Rainha de Portugal. Estas turbulências das sucessões, que decorreram da premissa da legitimidade de acesso ao trono, mesmo considerada a válida pelos vencedores, encontra resistência, nem sempre eficaz, noutras instituições que não estão necessariamente ligadas ao exercício do poder político, mas estarão ligadas ao mistério que é sempre o fato de uma parte do povo inteiro que povoa o mundo, fato que a ONU chama o “mundo único”, se encontrar como Nação, com identidade que exibe língua própria, solidariedades e hierarquias perante outras parcelas do “mundo único”, constituindo pilares que viria a chamar “instituições”. São muitos os autores que lidam com este fenómeno, mas para o nosso propósito escolho o Mestre Hauriou que define a Instituição como uma ideia de obra ou de empresa que permanece e dura para além da vida curta das gerações que a servem, e é recebida e continuada pelas gerações sucessivas que aceitam o legado, o defendem, o conservam, o fazem progredir: como os tempos mudam, julgo que é para traduzir o conceito para a sua experiência, que os americanos falam no interesse permanente, de conteúdo variável, do seu país. As famílias, as Igrejas, as Universidades, os partidos são exemplos que nenhuma Nação europeia esquece, e em Portugal a Marinha, uma força armada referida no atual Hino Nacional, é realmente uma instituição, presente, venerável, e venerada na memória nacional. E por isso, sendo a terra em que vivemos de nascença, no dizer de D. Manuel Clemente, a que “nos calhou”, ou “em que encalhamos”, mas deixando uma marca na história do mundo único, é verdadeiramente um “cais de embarque” para o mar salgado que considerou seu, e batizou pelas lágrimas salgadas das noivas que ficaram por casar. Foi justamente, como exemplo, a força da instituição militar que é a Marinha, como é próprio das instituições, que procurou, um debate patriótico, dar o exemplo de procurar uma resposta construtiva à crise nacional que se agravou nos fins do século XIX, na linha dolorosa que parte da invasão francesa: a formação do que seria o Clube Militar Naval com o Vice-Almirante Ricardo Graça a presidir o ato, tem a data da sua fundação (1866) como uma data a não esquecer.

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