A opinião de ...

25 de Novembro 1975

Nesse dia um facho vivo de incerteza pairava sobre o País acabado de sair de um sistema político eivado de veios fascistas, entalado num corpete estreitamente vigiado pela polícia política, vivendo penosamente porque o seu secular atraso o tinha atirado para o alforge dos países subdesenvolvidos estando revolvido tal como as serpentes que mordem o próprio rabo. A situação era insustentável.

O Marechal Costa Gomes cuja alcunha – o rolha – significava tudo, tentava gerir a situação de modo a impedir o rebentar da corda, no entanto, esta partiu-se estrondosamente, os revolucionários insolentes e impreparados elevaram o delirante Otelo à condição de homem providencial, os militares otelistas horrorizavam a Nação detendo pessoas porque eram suspeitas de serem suspeitas de reaccionarismo, atropelavam as leis levando as pessoas sensatas a temerem nova e tenebrosa edição do regime castrista e fuzilamentos ao modo de Franco e Guevara. O grande medo (Robespierre) fazia tremer muitos salazaristas envergando roupas democráticas, a reacção inchou a ponto de eclodir no Ribatejo (Rio Maior e Coruche).
A cintura industrial de Lisboa estava crivada de betoneiras e maquinaria similar, falava-se no corte de abastecimento de água a Lisboa, os boatos (as modernas notícias falsas que nunca foram modernas) imperavam em certa imprensa, um deles publicou estar Salgueiro Maia em fuga, os grupo dos nove tinha pronta a teia de aranha destinada a jugular os comunistas e os muchachos de Otelo, o Jornal Novo esgotava edições caricaturando e atacando esquerdistas e camaradas de Cunhal, a panela de pressão prestes a rebentar, rebentou no Regimento de cavalaria estacionado na Calçada da Ajuda. Três mortos, pedidos de execuções, porém os bebedores de sangue não saciaram a sede porque o fleumático, ponderado e subtil Melo Antunes apareceu na pantalha a sublinhar firmemente a necessidade de termos um Partido Comunista em liberdade, legalizado. A conversa secreta na casa de uma minha amiga entre Cunhal e Melo Antunes deve ter permitido colocar a sangrenta colisão em perspectiva numa camisa-de-forças, evitando-se um profundo cavar de ódios e muitas vítimas. Na sequência do tiroteio um amigo foi preso dado pertencer ao Regimento de Cavalaria, outro desfilou vencedor num carro de combate, o episódio recordou e recorda-me o drama da guerra civil espanhola, mormente o relato de Domingos Monteiro notável escritor duriense o qual em Histórias Castelhanas descreve um oratório numa casa nos arredores de Salamanca, nele figuravam uma imagem de Nossa Senhora, outra de Estaline, a bondosa senhora tinha dois filhos na tormenta, um de cada lado. Ou o macabro encontro de dois irmãos, primeiro abraçam-se, a seguir um diz: hoje tu, amanhã eu, e desferiu-lhe um tiro na cabeça.

Passados quarenta e três anos as feridas resultantes do acontecido e escoramentos do 25 de Novembro persistem, umas à beira de sararem, outras a purgarem silenciosamente na mente de muitos actores principais da triste cena., Bem sei, não se pode viver a vida inteira em ressentimento azedo, porém tal como escreveu Rodrigo Paganino, ódio velho não cansa.
De uma parte e da outra!

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3706

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