A opinião de ...

FOGO! (CAUSAS E ATITUDES)

Os media têm feito eco, ultimamente, de opiniões fundadas e fundamentadas que dão como sendo humana a principal causa dos fogos florestais, em mais de 90% dos casos. Foi isso também que me levou a reler um livrinho da autoria de José Maria Pereira Coutinho, editado em 2009 pela Númena, com o apoio do Ministério da Agricultura e pela Autoridade Florestal Nacional. O autor apresenta, sob o título “Incêndios Florestais causas e atitudes” os resultados principais, acompanhados de algumas reflexões, de dois estudos realizados em 2006 e 2007 sob o tema “Causas da ignição humana dos incêndios florestais”, que coordenou.
É bom reparar que o trabalho de campo não se destinava a apurar a origem, já que essa não levanta dúvidas, mas, sendo humana, averiguar as motivações para tais atos com tão dramáticas consequências. Ora esta não é uma tarefa fácil pois nem sempre os fautores colaboram e assumem o móbil das suas ações. Disso se queixa o investigador referindo que “o entrevistado não se sabe exprimir corretamente, encobre o que pensa, engana deliberadamente ou diz o que ouviu dizer”, acrescentando um familiar retrato da vox populi das nossas terras “Nas aldeias a posição de cada um é sempre a de outrém, sabendo todos o mesmo”.
Tem-se como lugar-comum que apenas há uma confissão natural, na primeira pessoa, quando o incêndio ocorreu inadvertidamente e atingiu apenas a propriedade do próprio. Nos outros casos nega ou, quando confrontado alega perturbações mentais ou estado alcoolizado.
Sendo certo que os reacendimentos ocupam um lugar destacado nos incêndios e que o fator humano aqui aparece por defeito, é importante chamar a atenção para um facto que, parecendo óbvio, nem sempre é levado na devida conta: o fogo só fica extinto depois de um rescaldo eficaz.
As perturbações psicológicas são o segundo maior motivo para iniciar um fogo sendo que aqui não é só a piromania, mas igualmente um desiquilíbrio mental, muitas vezes intensificado pelo consumo de álcool sentindo-se os autores motivados a provocarem o espetáculo ígneo em cujo combate, muitas vezes participam. O fascínio de se verem na televisão ou de trazer a comunicação social à sua terra é muitas vezes demasiado forte. Deviam os média refletir seriamente no sensacionalismo com que, tantas vezes, fazem reportagens em direto e com um aparato notoriamente desajustado à singela missão informativa. Recentemente, em Monchique, assistiu-se a reportagens que explorando a resistência de alguns cidadãos em abandonar as suas casas perante a ameaça do fogo, independentemente da razoabilidade (que aliás não era devidamente investigada pelos repórteres) acabava, naturalmente, por potenciar e fomentar atitudes idênticas noutras situações, quiçá bem diversas.
Não sou adepto de proibições nem entendo que qualquer lei seca poderia diminuir os efeitos do álcool em exagero, também neste flagelo estival. Contudo, estou certo que um apelo à moderação e algum comedimento na publicitação de bebidas alcoólicas seria uma ajuda não desprezável.
 
Os conflitos entre vizinhos e vinganças resultado de questões não resolvidas aparecem em terceiro lugar nas motivações para atear a chama inicial não sendo estranho que as proporções ultrapassem, rapidamente, o intento primário. Sendo que esta causa também contempla o estado tenso de questões em curso, parece evidente que a celeridade na justiça, tão reclamada, contribuiria em muito para a diminuição do sentimento de injustiça que leva muitos a promovê-la, autonomamente, com as suas mãos.
 
Sendo-lhe imputada a maioria das causas, o combate tem de lhe ser creditado, na totalidade. Sendo o homem o principal “inimigo” da floresta é igualmente o seu maior amigo e principal protetor.
 
Há ainda um facto que tem um relevo óbvio que, estranhamente, parece ninguém querer ver: a politização das cadeias de comando atira, periodicamente, para o lixo, a experiência acumulada durante anos. Já é tempo de criar uma estrutura profissional estável, despolitizada e, sobretudo, despartirizada!
 
 

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