A opinião de ...

MENINA BIPOLAR

 
Era uma vez uma menina que se comportava como todas as meninas. Era acarinhada pelos pais, portava-se bem na escola, brincava à macaca, à corda e a outros jogos, gostando sempre de ganhar. Fez a 4.ª classe com distinção e no Ciclo Preparatório também permaneceu excelente aluna. Depois de findas as aulas, no mês de Julho, foi numa colónia de férias para uma estância turística no Algarve e adorou a estadia.
 
Até terminar o 11.º ano, conseguiu, na escolha das línguas, notas elevadas e uma brilhante preparação para o vizinho 12.º ano. Durante o segundo semestre, teve um esgotamento profundo, uma crise maníaca que a impossibilitou de terminar com aproveitamento o ano. Em abono da verdade, antes já tinha tido uns complexos episódios de euforia e depressão, mas foram sendo debelados. Nessas alturas, os pais levaram-na a vários especialistas, mas as crises não passavam. Entretanto, uma alma caridosa marcou-lhes consulta num excelente especialista, director de um Hospital Psiquiátrico. Foram à primeira consulta cheios de esperança. O médico viu a medicação ligeira que tinha sido prescrita pela médica de família, fez-lhe uns leves exames de personalidade e não demorou muito a verificar estar em presença de uma doença com o nome de psicose maníaco-depressiva. (Hoje chamam-lhe doença bipolar). Para resolver ou normalizar a situação, precisava de estudar todos os dias a menina e propôs aos pais o internamento. Foi medicada para casa com outros fármacos e, volvidos quinze dias, o médico psiquiatra quis vê-la e internou-a como combinado.
 
(Ainda a menina não tinha dezoito anos e já partira com uma amiga para a Europa, viajando nos mais diferentes meios de transporte e trabalhando em França nas vindimas, na fruta (pêra, maçã, ameixa, pêssego, melão) e noutras actividades, isso quando faltavam os francos. Uma vez foram à boleia de Bordéus até Paris e pelo caminho meteram-se em “malandrices”, inclusivamente fumaram ervas proibidas, uma vez descontraídas defronte de uma “gendarmerie”, ou seja, um Posto de Polícia. Certa noite, numa discoteca quase foram sequestradas, valendo à situação um segurança mais atento. Enfim, pode dizer-se que já havia indícios de uma certa, sei lá, talvez disfunção. A verdade é que andava mais com episódios de exaltação do que de depressão. Nestas alturas sentia-se superior, plena de capacidades, isto é, eufórica.)
 
Foram à consulta já com uma mala contendo o essencial para o internamento. O Médico Psiquiátrico mandou levá-la para os aposentos onde estavam as doentes menos graves. Em cada quarto encontravam-se duas ou três camas, vários armários e um lavatório. Na sala de convívio, exibia-se uma televisão, algumas mesas e cadeiras, três sofás e uma mesinha com jornais e revistas sobre doenças do foro psiquiátrico, que ninguém lia.
 
Numa manhã de Sol ardente, uma enfermeira resolveu abrir as portadas que davam para o quintal, enquanto a nossa menina e três companheiras jogavam à sueca numa mesa perto do televisor. Algumas doentes foram para o quintal e, perante uma enorme estupefacção, entra na sala uma delas com um paralelo (cubo de granito) e atira-o para dentro da televisão. Foi imediatamente agarrada por duas enfermeiras e levada para um quarto escuro onde ficou fechada até ao fim do dia. (A nossa menina e as companheiras nada sofreram e foram ao director pedir outro televisor, que não tardou a substituir o totalmente danificado).
 
Entretanto, o especialista em Psiquiatria via todos os dias as suas pacientes e ia estudando os efeitos da medicação. Frequentemente, os pais da menina iam vê-la e falavam com o médico que lhes dizia haver progressos no problema da filha e que já tinha uma ideia formada sobre a situação. Quando lhe deu alta, sentenciou:
- Se a jovem tomar sempre a medicação, se não ingerir bebidas alcoólicas e não beber café, tem tantas probabilidades de ter uma crise como de lhe sair o totoloto. A paciente cumpriu e andou estabilizada durante mais de quinze anos, até que o seu querido médico faleceu. Foi a outro doutor e as crises voltaram…

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