
Uma doença auto-imune
Diz-se amiúde que a primeira coisa que um português faz quando é publicada uma nova lei é descobrir como contorná-la. Por estes dias, foi conhecido um inquérito a mais de três mil professores que mostra o descontentamento que vai grassando pela profissão. Mas continua a haver situações auto-infligidas que, se calhar, contribuíram para esse cenário.
Primeiro, foram os projetos nas escolas (Bragança e Vila Real concentravam, há cinco anos, 75 por cento do total de projetos desenvolvidos nas escolas portuguesas). Depois, quando o Governo anterior pôs um travão nessa situação, os professores do Nordeste Transmontano começaram a ficar doentes e a doença vai crescendo a cada ano que passa, sem ninguém com vontade de a medicar. Não estou contra a vinda de professores para a região. Aliás, considero mesmo que faz demasiada falta esta massa crítica, ainda por cima da classe média, ao distrito.
Não é isso que está em causa.
O que está em causa são as graves suspeitas de uma fraude generalizada no sistema, que cria situações de desigualdade entre colegas.
O que está em causa não é o professor A ter já uma carreira longa e, não havendo alunos na região onde vive há 30 anos e onde tem a sua vida construída, ver-se na contingência de ter de deixar casa e família para trás ou entrar num sistema de viagens desumano e incomportável (nem nas decisões políticas que se devem tomar para combater isso).
O que está em causa é o exemplo que se dá à sociedade em geral e às crianças das escolas em particular precisamente por aqueles que mais contribuem para a formação dos adultos de amanhã e dos valores que os vão reger.
O que está em causa é o aproveitamento de um expediente legal, criado para proteger os mais fracos, com pais, filhos, os os próprios em situação de doença, de cenários desumanos, mas que são aproveitados por muitos que fazem carreira no ensino sem porem um pé dentro de uma sala de aula.
O que está em causa é o facto de haver médicos a passarem atestados às dezenas (ou centenas) sem qualquer controlo ou critério.
O que está em causa é a ética e a moral daqueles que num dia estão à porta de uma escola a protestar com uma situação e no dia seguinte vão a correr tirar proveito dela.
O que está em causa é todo um sistema de degradação da profissão de professor, mesmo aos olhos da sociedade. Se o que está mal é o tamanho dos Quados de Zona Pedagógica, o excesso de alunos por turmas, o despovoamento do interior face ao litoral que cria desigualdades no acesso e manutenção da profissão, então combatam-se essas maleitas, não se criem outras.
De facto, na classe docente parece só existir mobilização para determinados combates. Mas e as condições em que a profissão é exercida? E as condições em que se abrem cursos sem acautelar as saídas? E a exigência no acesso à profissão? Como é possível um aluno com média negativa ingressar num curso de ensino (ou num outro qualquer, já agora)?
O que vai ensinar aos nossos filhos?
Que os fins justificam os meios?