Entrevista a Adriano Martins - promotor do Água Hotel em Pinela

“Um hotel destes traz 40 ou 50 mil pessoas por ano à região”

Publicado por António G. Rodrigues em Qui, 2023-07-27 16:16

Nascido em Rebordaínhos, uma aldeia da Serra da Nogueira, em Bragança, há 56 anos, Adriano Martins está ligado há hotelaria há 15 anos. Começou o grupo Água Hotels com um empreendimento em Mondim de Basto mas sempre quis investir na sua terra.

Mensageiro de Bragança: Há quanto tempo está ligado à hotelaria?
Adriano Martins:
Abrimos uma primeira unidade em 2006, o Suits Alba, como sócios. O Água Hotels abre a primeira unidade em 2008, em Mondim de Basto. Portanto, há 15 anos.
O grupo começa em Mondim. A marca é transmontana.

MB.: De onde é natural?
AM.:
De Rebordaínhos (Bragança). Fiz o 10.º ano em Bragança e, depois, fui estudar para Lisboa. Tirei o curso de Engenharia Civil, dediquei-me à construção até hoje. Mas diversificámos os negócios a partir do ano 2000 e começámos a pensar em projetos na área da hotelaria. Tudo culminou com a abertura de uma unidade em 2006, em 2008 o primeiro Água Hotels.

MB.: Manteve sempre ligação com Bragança?
AM.:
Sim, sempre. Venho cá regularmente. A minha mãe vive na aldeia, o meu pai também lá viveu até falecer. Mas venho cá quatro ou cinco vezes por ano.

MB.: A ideia de investir aqui na região esteve sempre presente?
AM.:
Sim, esteve. Já desde que abrimos a primeira unidade em Mondim que surgiu a ideia de investir em Bragança, numa unidade mais pequena. Pelo facto de ter estado a trabalhar numa empresa de estradas conheci Mondim. Pedi a um amigo para ver o PDM de Bragança com vista a um eventual investimento mas levaram-me a Mondim ver o terreno onde está implantado o nosso hotel. É um sítio fantástico e, a partir daí, foi desenvolver projetos.

MB.: Como surgiu a ideia de fazer este hotel em Bragança?
AM.:
Felizmente tivemos um grande crescimento. Mondim tem sido um sucesso em hotelaria a nível do Interior. Chegámos a ser considerados por algumas revistas da especialidade o melhor hotel do Interior de Portugal, em 2009, 2010. Em função do sucesso, a ideia foi replicar o negócio. Nada melhor do que dar um passo mais para cima, para Bragança, o meu concelho.

MB.: Quais são, para si, os grandes desafios para fazer este investimento?
AM.:
Como em qualquer outro lado. Um negócio tem sempre riscos e temos de os calcular. Neste momento calculamos muito mais os riscos do que calculávamos há 15 anos.
O desafio passa pelo facto de irmos introduzir um turismo diferente do que aquele que se faz no concelho. Julgo que vai ser benéfico para toda a hotelaria do concelho porque vai trazer um turista diferente. Logo aí vai criar outra dinâmica.
Os desafios passam por formar pessoal porque temos de fornecer um serviço de muito elevada qualidade para que os nossos clientes venham, voltem e recomendem.
O grande desafio na hotelaria é encontrar mão de obra qualificada e com vontade. A nível nacional a mão de obra é um flagelo.
Fazer com que as pessoas se entreguem ao trabalho. Hoje em dia o mercado de trabalho é muito volátil. As pessoas mudam por nada, por utopias que não existem e veem na televisão e nas redes sociais e depois se vai ver e não dão nada. Pessoas que mudam constantemente de posto em busca de algo que não existe e acabam por nunca conseguir uma carreira e uma sustentabilidade.

MB.: Falta uma cultura de responsabilidade e compromisso às gerações mais novas?
AM.:
Não sei se é falta de responsabilidade... daqui a 20 anos perceberemos se há ou não há. Acho é que as gerações mais novas estão a mudar com uma rapidez que não esperávamos.
Ainda sou do tempo de entramos para uma empresa e só saíamos quando a empresa passava mal ou se nós fôssemos muito maus. Se um funcionário fosse relativamente bom e a empresa continuasse, era uma vida.
Hoje, qualquer pessoa aos 30 anos tem dez ou 12 experiências de trabalho. Isso, por um lado, é muito positivo, porque os enriquece pessoalmente. Mas, por outro lado, é negativo, porque não os amadurece, não cria aquele sentimento de ‘vestir a camisola’.

MB.: Isso sente-se especificamente no Algarve?
AM.:
No país todo. E em todas as áreas, não só na hotelaria. Na construção também e em todo o país.

MB.: Os problemas serão os horários e as baixas remunerações?
AM.:
Acho que essa é uma falsa questão. Sempre se trabalhou por turnos. Baixa remuneração? Acho é que temos um custo de vida exageradamente alto para os salários que se pagam. Mas quem paga salários e vê que ao final do mês, o que sobra, em função do risco e do investimento, é muito pouco.
Deveríamos ter certos produtos e serviços condizentes com a realidade portuguesa. Não podemos ter serviços a preços de países desenvolvidos e ter ordenados de países em desenvolvimento.
Somos um país de oportunidades em que quem trabalha e quem se entrega de certeza que não ganha mal.
Se as pessoas se entregarem, a entidade patronal reconhece as pessoas.

MB.: O que está a nascer em Pinela?
AM.:
É um hotel completamente diferente dos que o concelho tem. É um hotel de natureza, para férias. Não é um hotel de negócios, de cidade.  Os quartos são iguais em qualquer hotel. Depois vamos ter quatro moradias, duas T3 e duas T3.  Para além disso, queremos ter um restaurante que promova os produtos regionais e que compre aos agricultores diretamente. Temos de trabalhar a restauração de uma forma com qualidade mas muito tradicional.
Paralelamente teremos um Spa e uma piscina interior, que será uma mais valia, com uma vista sobre a serra da Nogueira.
Também temos paisagem. Temos de mostrar a natureza.
Depois, temos as tradições, a nossa gastronomia, o ambiente da Terra Fria que todos nós conhecemos e que lá fora se ouve falar um bocadinho. Mas tem de se viver o que é isto.
Também haverá uma piscina panorâmica, que é o ex-libris da unidade.

MB.: Neste projeto são 80 quartos?
AM.:
Sim, 80 quartos e quatro moradias, T2 e T3. São 84 unidades de alojamento no total, que equivalem a 180 camas.

MB.: Isso representa quantos postos de trabalho?
AM.:
Em velocidade de cruzeiro, 44 a 50. Em Mondim temos 45 funcionários permanentes, 12 meses por ano.

MB.: Este projeto está dividido em três fases, sendo a última com uma sala de congressos?
AM.:
Não, este projeto nasceu assim. Mas pode crescer. O nosso estudo indica que esta é a dimensão ideal. Poderemos um dia pensar em ter uma sala de conferências, que nunca poderá ultrapassar as 250, 300 pessoas, porque é essa a nossa dimensão. Não me parece que se justifique uma sala superior a essa lotação. São investimentos caríssimos e para os usarmos uma ou duas vezes por ano, o investimento torna-se irrecuperável.

MB.: Para além da mão de obra, que outras dificuldades encontra?
AM.:
Estamos na construção e, até agora, a dificuldade não foi nenhuma. Devido à nossa experiência, quando submetemos um projeto à Câmara, todas as condicionantes que, eventualmente, poderiam existir, em função do PDM, da localização, da reserva agrícola, foram acauteladas previamente.
O que acontece muitas vezes é as pessoas fazerem projetos e não acautelarem essas variantes. Quando assim é, as Câmaras não podem aprovar.
Temos de perceber quais são as condicionantes do local e projetarmos em função das condicionantes. Isso foi feito, a Câmara teve uma postura muito positiva. Estas são as normas, dentro das normas apoiamos, fora disto esqueçam. E é assim que tem de ser.

MB.: Houve algum aspeto do projeto que inicialmente gostasse de ver incluído mas tivesse de deixar de lado?
AM.:
Não. O projeto foi muito trabalhado. Fomos apoiados pelo arquiteto Seca, aqui de Bragança. Também temos uma equipa de arquitetos no grupo. Amadurecemos, pensámos, em função da nossa experiência pensámos nos erros que tínhamos cometido no passado. Isto de construir hotéis não é como construir apartamentos.
A hotelaria é específica porque tem muitos funcionários. E tem essencialmente trajetos de funcionários.
Uma cozinha mal projetada num restaurante pode obrigar a empresa a ter mais dois ou três funcionários. Isso vai custar mais seis mil euros por mês, 70 mil euros por ano. Em dez anos, são 700 mil euros. É um negócio falhado.
Mas se a cozinha estiver bem projetada, mesmo que o projeto seja aparentemente mais caro, em dez anos poupa 700 mil euros. Muitas vezes, existe o fazer por fazer e depois logo se vê quando muitas vezes se devia investir no projeto.
Para quem investe em turismo ou restauração, é fundamental que pense que um bom projeto pode ser a diferença para a viabilidade do negócio. Um mau projeto vai conduzir a anos e anos de trabalho e poucos proveitos.

MB.: O que espera que este projeto traga a esta região?
AM.:
Um hotel destes traz gente, na ordem das 40 ou 50 mil pessoas por ano, traz movimento. Vamos precisar de ter qualidade ao lado. Precisamos de ter restaurantes que tenham a qualidade em produto – que já têm – mas que refinem a qualidade no serviço.
Não podemos entrar num restaurante, seja ele qual for, e o meu cliente, quando pedir uma garrafa de vinho tinto no verão, ter de a beber à temperatura ambiente e não à temperatura certa. E isto ainda não temos.
O cliente vai exigir isso. Se não lhe derem essa qualidade, vai uma vez e não volta. E cada cliente insatisfeito repica dez ou 15 possíveis clientes. Já um cliente satisfeito só influencia outro.
Tem de haver uma cultura de fazer mas fazer bem. Não é por se servir só boa carne que se tem sucesso. Boa carne mirandesa come-se em todo o país. A melhor posta mirandesa que já comi até foi num restaurante no Algarve, numa vila piscatória.
Qualquer restaurante dá uma carne fabulosa. Mas temos de dar, também, um serviço fabuloso em todas as vertentes.

MB.: Falta essa cultura aqui na região?
AM.:
Falta, falta. E é isso a que temos de ajudar. Os operadores têm de incutir esse espírito nos restaurantes das aldeias (e nos das cidades), que há regras que o cliente vai precisar. E se essa regra não for cumprida, não vai haver sucesso.

MB.: Esse tipo de clientes que espera atrair são de classe média-alta, dispostas a gastar dinheiro mas a exigir qualidade. Procuram gastronomia. E outras atividades?
AM.:
O que vai acontecer é que também procuram cultura mas não podemos ser muito poetas. O cliente do descanso procura descanso, gastronomia, alguma cultura (não aquela que achamos que ele vai procurar) e alguma atividade na natureza. É importante que façam algumas empresas que façam atividades na natureza. E fazer roteiros, levá-los aos sítios fantásticos que temos.

MB.: Uma das coisas que os turistas que visitam a região se queixam é da falta de atividades, de produto. Vêm cá mas depois não têm o que fazer...
AM.:
É normal. Provavelmente, vamos ter de nos juntar os hoteleiros todos e perceber quem é que conseguirá fazer uma empresa que realize passeios na natureza, de BTT, de jipe, os chamados safari. Não precisamos de inventar nada. No Algarve há isso tudo, não é só praia. Se calhar, temos de espicaçar alguém para agarrar essa franja de negócio que se vai criar, não tenho dúvidas.

MB.: Falta vontade?
AM.:
Às vezes há vontade. Falta o clique. Temos de olhar para o futuro e fazer. Temos de erras, bater com a cabeça na parede, voltar atrás e fazer de forma diferente. Acho que Bragança tem gente capaz, que sabe e sabe receber. Julgo que não vai ser problema.

MB.: Aquele local tem uma componente histórica associada, o castelo de Pinela. Haverá alguma ligação com esse espaço?
AM.:
Sim. Uma das premissas da implantação é toda aquela área ser trabalhada, por nós, pela junta de freguesia. E nem nós nem eles fazer nada que não fique bem. Há um compromisso de parceria em que o que se execute não venha degradar a imagem nem o local.
Temos lá um terreno de 15 hectares e vamos ver como o enquadramos para a memória do castelo ser preservada.

MB.: O castelo também está incluído no vosso terreno?
AM.:
Não, não.

MB.: Quem escolheu aquela localização?
AM.:
Fui eu. Em miúdo via aquele local todas os dias, quando andava nos transportes escolares. Andei na Augusto Moreno e no Liceu.
Todos os dias via o castelo de Pinela mas nunca tinha lá ido.
Quando decidimos fazer crescer o grupo no interior, um dia em que vinha para Bragança olhei para o castelo de Pinela e pensei que aquele lugar era bonito. Decidi ir ver o que se via de lá. Fiquei lá uma ou duas horas, gostei muito do sítio e, a partir daí, desenvolveram-se os contactos para fazer o negócio.

MB.: Quando foi isso?
AM.:
Em pleno covid-19, numa altura muito difícil, quando toda a gente tinha medo de investir.

MB.: O que o levou a tomar essa decisão?
AM.:
Não é uma decisão de uma pessoa só, é de um grupo de trabalho. E, felizmente, temos um grupo de trabalho fantástico, dedicado, com uns líderes muito bons.
Estando a crescer, tendo um sucesso muito grande em Mondim, acho que não era difícil tomar esta decisão. Se o nosso ADN é o turismo no interior, em zonas em que, à partida, ninguém apostaria e se tivemos sucesso em Mondim de Basto quando todos nos chamavam loucos e, quatro anos depois, já éramos visionários, é este o caminho.

MB.: A obra está, neste momento, a dez por cento. Quando espera ter o hotel pronto?
AM.:
Na Páscoa de 2025.

MB.: E em termos de financiamento, está assegurado?
AM.:
Candidatámos o projeto ao Portugal 2030. Apresentámos candidatura no fim de maio e agora é esperar.

MB.: Não é nada que ponha em causa o projeto...
AM.:
O projeto já começou. Também sabemos o produto que temos. Sabemos as premissas do concurso e sabemos que tem todas as condições para ser apoiado.

MB.: Quando passam na estrada, o que é que as pessoas vão ver?
AM.:
A frente de quartos e restaurante. Nas traseiras a receção e mais restaurantes. Mas tudo desnivelado. A ideia é fazer em socalco. Haverá muito espaço verde. A ideia é ter pouco jardim feito mas aproveitar a natureza autóctone, como a urze, a lavanda... O grande jardim será o que já lá está.
Vamos ter a exploração da água, que será utilizada no dia a dia. Teremos uma estação de tratamento que vai permitir a sua reutilização para a rega e um parque fotovoltaico.

 

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