O crime de tráfico de pessoas
“O flagelo do tráfico de seres humanos (TSH) assume formas cada vez mais diversificadas, complexas e sofisticadas, o que implica a necessidade de uma orientação estratégica bem definida e conduzida de modo coerente, designadamente através de uma política de segurança coordenada e eficaz, respondendo aos principais riscos e ameaças internas e externas e promovendo uma protecção integrada das vítimas”. Este é o texto da introdução do IV Plano de Ação para a Prevenção e Combate ao Tráfico de Seres Humanos 2018-2021 (PAPCTSH) que visa reforçar o conhecimento e sensibilização sobre o tema, reforçar a investigação criminal sobre as redes organizadas e desmantelar o seu modelo de negócio e assegurar às suas vítimas um melhor acesso ao gozo dos seus direitos e restabelecimento de uma vida digna.
Sob a epígrafe “Tráfico de Pessoas”, o nosso código penal tipifica este crime, no art.º 160.º, na versão dada pela Lei n.º 60/2013, de 23AGO. Esta versão resulta da evolução do conceito ao nível do direito internacional, traduzido em instrumentos vários tanto da ONU como da EU, ratificados por Portugal. A evolução conceptual vai no sentido de o considerar como um fenómeno crescente de violação de direitos humanos. Pelo facto de este crime aglomerar um vasto conjunto de violações de direitos humanos – direito à vida, à liberdade, à integridade física/psicológica, à segurança pessoal - deveria mesmo ser considerado um crime contra a humanidade, na opinião da psicóloga da justiça Carla Machado.
O tráfico de pessoas como problema à escala do universo reflete a globalização dos mercados de trabalho, as desigualdades económicas e sociais entre países e regiões, a pobreza a exclusão e a marginalização que provoca, as migrações à procura de melhores condições de vida e a sobrevivência, as desigualdades de género e a exploração da prostituição e da mendicidade.
As rotas do tráfico de pessoas estão muito ligadas às rotas migratórias ilegais. Como fatores explicativos na sua origem estão sobretudo a privação económica e os diversos tipos de conflitualidade social, política, religiosa ou mesmo étnica. Já no destino buscam maior segurança e estabilidade económica e social.
Segundo o último Relatório Global sobre o Tráfico de Pessoas, da ONU, relativamente ao ano de 2018, aponta para cerca de 50.000 vítimas de tráfico detetadas em 148 países, referindo, porém, que o número deverá ser muito maior pela natureza oculta do crime. O perfil da vítimas varia conforme a forma de exploração. Quase metade são mulheres, 20% são meninas, 20% homens adultos e quase 15% meninos. A proporção de crianças e homens tem vindo a aumentar enquanto a de mulheres adultas tem diminuído. Mulheres e meninas sofrem sobretudo exploração sexual, enquanto os homens e meninos são sujeitos a trabalhos forçados, sobretudo em sectores onde o trabalho se realiza de forma mais isolada como agricultura, construção, pesca, exploração mineira e trabalho doméstico. Cerca de 1% das vítimas são obrigadas à prática da mendicidade, a casamento forçado e ainda à remoção de órgãos e outros fins.
Os traficantes consideram as vítimas como mera mercadoria, sem qualquer dignidade ou direitos humanos.
Continua…