A opinião de ...

Labirintos da Justiça

Rezava a notícia que tribunal de escalão maior revogara o decidido por outro de menor instância, autorizando que uma criança, levada pela progenitora para país outro, na ausência de consentimento do progenitor, mantivesse a permanência nesse mesmo país, mau grado acórdãos de outros tribunais impondo o regresso da criança. A mãe da menina decidira emigrar, em busca de trabalho, consigo a levando e na companhia do novo companheiro e de um outro filho mais novo, e a circunstância pesaria na decisão judicial, sustentando esta que a mãe somente conduziu consigo a criança em apreço por se encontrar desempregada, destarte agindo no sentido do bem-estar da família, deixando agora nas mãos dos tribunais do país de acolhimento a decisão sobre «... se a criança deve ou não voltar ao país onde nasceu e viveu». Pelo teor do noticiado, inferi que o poder paternal estaria nas mãos da mãe (para não escapar à regra da prática judicial portuguesa), e que o pai cumpria com as obrigações impostas pelo tribunal próprio que assim determinara, pagando a respectiva pensão de alimentos, ao mesmo tempo que usufruía dos reduzidos direitos conferidos, procedendo às “visitas” à filha nos períodos disponibilizados. E do desenrolar dos acontecimentos fica-me consolidada  a ideia de que, em boa verdade, mãe detentora do exercício do poder paternal equivale, à luz da nossa tradição, a mãe dona e proprietária dos filhos. Espero somente que não se faça moda mães separadas no gozo de tal condição, se desempregadas (ou desempregando-se...), emigrarem, com elas levando as crianças, assim subtraídas ao convívio com os pais. Finalmente, desconheço como funcionam e possam decidir justiças de países outros quando está em jogo o superior interesse de crianças nacionais, desde logo, necessária e obrigatoriamente, posto acima de quaisquer outros, como deveria. Pese embora no acórdão ora proferido ser reconhecida a existência de «... uma deslocação ou [e] retenção ilícita de uma criança...», é nele afirmado que a mãe não tomou a decisão de se ausentar leve ou caprichosamente. Mas, salvo melhor opinião, não me parece que a condição encubra o ilícito; quando muito, poderia atenuá-lo. Acordamos que o «superior interesse da criança» deve ser, sempre, «... ponto de partida para qualquer decisão...»; só que, por vezes e lamentavelmente, ultrapassa-o a defesa do superior interesse de certos adultos. Já não cremos que um progenitor  privado de «... realização pessoal, profissional, ou outra...» não constitua «... figura paternal de referência para uma criança». Desde logo, a realização humana rodeia-se de plena subjectividade, diferindo individualmente o seu significado e o patamar que, no seu interior, cada um está disposto e apto a alcançar, uns realizando-se na base da pirâmide de Maslow (curiosamente, o tronco mais volumoso, e onde, paradoxalmente, são bastantes a alimentação, o agasalho e a segurança), outros batendo-se por lhe trepar ao topo. Mas o mais questionável, com o respeito devido, será a consideração da mãe enquanto bondosa referência paternal, por haver conseguido emprego no país para onde conduziu a filha, entendendo-se, por isso mesmo, realizada, parecendo não se ter em conta que qualquer criança deveria crescer com um pai e uma mãe e, deixado aquele para trás e ausente, perdida fica a «figura paternal de referência» que (também) lhe respeita, empunhada como direito, carregada como dever.

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3550

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