A opinião de ...

PROPINAS (POUCO) DEMOCRÁTICAS

Não é roubando-lhe algumas das suas bandeiras que se combate o populismo. Pelo contrário, enveredando pelos mesmos caminhos, apenas se confere legitimidade aos respetivos estandartes que, sem qualquer surpresa, a extrema-direita usa e maneja com superior mestria pois foi ali que foram concebidos e promovidos. É conhecida a tentação dos políticos para aderir a medidas populares (Espelho, espelho meu, há alguém mais empenhado no bem-estar de todos do que eu?) sobretudo em períodos eleitorais. Ora esse é um ponto de especial relevância. Alguém terá, recentemente, questionado por que razão veio agora para a discussão pública um tema que, aparentemente, hibernava numa gaveta discreta e bem fechada. A resposta é óbvia: pela mesma razão que se anunciou a construção e contratualização do financiamento de um aeroporto que, em última análise, pode nem sequer ser iniciado e, por consequência, nunca ser concretizado; pelo mesmo motivo que se publicitam construções e aquisições que nunca acontecerão na atual legislatura e que portanto, sendo “democraticamente rigosoro” não competiam ser divulgadas por quem só as pode concretizar se obtiver para isso mandato popular, brevemente. E é essa a questão. Tudo isso acontece agora porque agora é o tempo que precede as eleições. Ora o mecanismo eleitoral, sendo um dos componentes mais eficaz e poderosos do sistema democrático pode, igualmente, assumir características de grande fragilidade se os atores do espetro político não estiverem vacinados contra as tentações populistas. É essa a explicação mais natural e lógica para a eleição, em processos de clara e cristalina democraticidade, de determinadas personalidades que, por natureza e opção, não professam, de forma convicta, os ideais democráticos vigentes e reconhecidos.
Um homem, um voto é apenas a base fundacional dos regimes democráticos. O exercício da democracia vai muito mais longe, percorre caminhos mais abrangentes e cultiva valores mais evoluídos, passando, entre outros, pela solidariedade, justiça social, subjugação aos valores humanistas e respeito pelos direitos das minorias. Ganhar eleições, sendo legítimo, é apenas o primeiro dos degraus do edifício da convivência humanista.
Aparentemente a gratuitidade das propinas parecendo uma decisão de promoção da democratização do ensino, não o é. Propinas gratuitas só vão beneficiar os estudantes vindos das classes mais favorecidas, porque essa não é a principal despesa nem tão pouco a maior das dficuldades que os estudantes mais carenciados enfrentam.
Estranhamente, os que reclamaram que a subsidiação dos passes dos transportes era uma forma de levar os mais pobres a pagarem as viagens dos mais ricos (e não era, demonstrei em crónica anterior) não vêm dizê-lo agora que, sim, pela mesma métrica, é uma forma de colocar as famílias mais modestas a pagarem os estudos superiores das mais abastadas.
Menos estranho foi o ar radiante da líder do Bloco de Esquerda ao defender tal medida. Não que, como disse, contribua verdadeiramente para aumentar o nível de escolaridade nem para diminuir as diferenças sociais tão referidas pelo BE, mas porque, suponho, muitos dos seus atuais dirigentes pertencerão à geração de estudantes que, de forma bizarra, andou a contestar a medida de Couto dos Santos.
Realço ainda o facto de não ter visto nenhum bloquista conhecido, hoje (12.01.2019) na Praça Camões na homenagem os 2.297 migrantes e refugiados que se sabe terem perecido em 2018 a atravessar o Mediterrêno e que o HuBB (Humans Before Borders) levou a cabo. Realço, mas não estranho. Porque estava lá relativamente pouca gente e não se vislumbrou qualquer repórter de nenhuma das televisões!

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