Diocese de Bragança-Miranda

D. José Cordeiro teme que eutanásia “se torne obrigação”

Publicado por António G. Rodrigues em Qui, 2016-07-07 17:07

Mais do que um direito, a eutanásia, caso venha a ser despenalizada, pode vir a tornar-se um “dever” para os mais velhos.
Este é um dos principais receios manifestado pelo bispo de Bragança-Miranda, D. José Cordeiro, nas IV Conferências do Paço, que se realizaram no passado dia 29, num auditório da escola Emídio Garcia cheio. A organização esteve a cargo da Comissão Diocesana de Justiça e Paz
“É isso que tenho sentido em muitas pessoas idosas, nas visitas pastorais que estou a realizar, tanto nas casas como nos lares de idosos, nas pessoas mais idosas, o temer que, se passar a ser um direito, depois se torne um dever. Quando se perde a consciência da dignidade humana até ao fim do fim, ela passa a ser descartável, um peso do qual temos de nos libertar. Isso não é admissível. A vida humana não é negociável”, sublinhou o prelado, destacando que “Só há dignidade onde há vida”. “O perigo destas discussões é cair nos eufemismos, que é para aliviar o sofrimento... não, é para matar. Isso é que é preciso ser comunicado e dito. A vida é um dom sagrado. No âmbito da fé da Igreja, o homem é criado à imagem e semelhança de Deus e a vida, a dignidade da pessoa humana, é desde a sua conceção até à sua morte natural. É até ao fim do fim que a vida tem sentido. Não somos nós que lhe damos o sentido, pois recebemos a vida como dom, que tem a fonte em Deus, que é a própria vida. Só pode haver dignidade com vida”, sublinhou D. José Cordeiro.
Já Anabela Morais, responsável pelas unidades de cuidados paliativos no Hospital de S. João e no Centro Hospitala de Trás-os-Montes, em Vila Real, lembra que para uma decisão tão importante como esta, sobre a vida, é preciso “liberdade”.
“A autonomia pressupõe liberdade de escolha e para se ser livre não se pode estar em sofrimento nem se pode estar dependente de terceiros. Obviamente que o sofrimento tem de ser colmatado e depois questionar as pessoas sobre essa vontade”, explicou.
A médica sublinha que “a discussão da eutanásia parece-me precoce em relação ao que devia ser porque primeiro devia lançar-se a discussão dos Cuidados Paliativos, a sua disponibilidade e acessibilidade a quem precisa. Só depois disso se deve perguntar às pessoas se ainda querem morrer. Depois do sofrimento colmatado, provavelmente já não quereriam”, faz notar.
Por outro lado, considera que, a avançar essa pretensão, poderia da azo a que se abrisse “uma autêntica caixa de Pandora”. “Aquilo que se passa noutros países e nos deve servir de reflexão é a tolerância desses casos que não estavam previstos e que foram tolerados mais tarde. De tal forma que, depois, é a própria lei que é alargada para incluir esses casos que previamente não eram previstos. Inicialmente, a eutanásia era prevista apenas para doentes terminais em fim de vida. Depois, passou a ser autorizada e permitida a doentes com demência. Depois, a doentes com depressão. É autorizada agora a pessoas sem qualquer doença e que manifestem vontade de morrer, desde que tenham mais de 70 anos. Está autorizada a crianças em que os pais decidam que não vão ter boa qualidade de vida”, frisa.
Carlos Alberto Rocha, também médico e presidente da Associação dos Médicos Católicos, acredita que, caso seja aprovada a despenzalização, muitos clínicos serão objetores de consciência. “Estou convencido, embora não haja um estudo sério que permita fundamentar a minha resposta, mas a perceção que tenho é que a grande maioria dos médicos não são a favor da eutanásia. Por exemplo, em relação ao aborto, a maioria dos médicos dos vários serviços são objetores de consciência. Há um número grande em Portugal. Extrapolando para a eutanásia, é de admitir que isso aconteça. Não quer dizer que não haja alguns médicos que são a favor da eutanásia e até subscritores do documento que defende a discussão. Mas julgo que é uma minoria”, disse.
Por outro lado, aponta a falta de legitimidade para se votar uma proposta neste sentido no Parlamento no decorrer da atual legislatura. “No caso de esta questão ir para a frente, é um assunto demasiado grave para ser decidido no parlamento atual porque nenhum dos partidos (talvez o Bloco de Esquerda) tinha no seu programa esta questão. Estar a votar uma coisa que não foi sufragada antes das eleições parece-me uma traição ao eleitorado.
Se houver vontade, nesta legislatura, de haver votação sobre esta matéria, vejo como absolutamente necessário que seja através do referendo”, conclui.

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