Nordeste Transmontano

Programa 'Upskills' ajuda a mudar de vida e a encontrar nova carreira e bem paga

Publicado por António G. Rodrigues em Qui, 2023-08-10 11:50

Chama-se upskills e é um programa que reúne o Instituto de Emprego e Formação Profissional, a Associação para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC), o CCISP (Conselho Consultor dos Institutos Superiores Politécnicos) e que ajuda os candidatos a mudar de vida. Literalmente.

Destina-se a dar formação a licenciados desempregados noutra área de atividade e começar uma outra carreira, ligada às novas tecnologias, com empregos geralmente mais bem pagos que a área de origem.

No Nordeste Transmontano já houve três turmas a funcionar, com uma empregabilidade próxima dos cem por cento, tendo empregado já mais de 20 candidatos.
São antigos enfermeiros, designers, músicos, engenheiros, que encontram, assim, uma nova vida profissional.

É o caso de Paulo Lopes, de 31 anos, natural de Bragança, que nunca se conseguiu estabelecer na sua área de formação (design) e que agora conseguiu um emprego na sua cidade e com uma remuneração “acima da média”. “Nunca me vi noutra”, diz, com um sorriso rasgado.

“Não estava a fazer nada. Dava formação no IEFP. Aqui em Bragança, temos um futuro cáustico se não formos fazendo o que nos aparece. Estudei design, acabei em 2014, ainda trabalhei na minha área aqui em Bragança mas o tecido empresarial é curto e os profissionais mais antigos são como eucaliptos, secam tudo à volta.

Vivi em Aveiro e em Lisboa. Trabalhei em tudo o que se possa imaginar, até a limpar as ruas. Mas queria voltar para Bragança. Soube pela minha irmã. Inscrevi-me e tive a sorte de ser selecionado”, conta.

Ao início, a ideia de enveredar por uma área ligada às novas tecnologias (IT) “assustou bastante”. “Estava preocupado com a parte da informática mas acabou por correr bem. Não foi fácil, é como fazer compota de morango com nêsperas. O curso ser intensivo também ajuda”, frisa.

Depois de ter feito seis meses de formação, com uma bolsa do IEFP, começou a trabalhar na empresa INETUM, que presta consultoria para todo o país e estrangeiro a outras empresas, no âmbito de uma plataforma de gestão de recursos humanos, e que tinha pedido a abertura de uma turma, com 15 elementos.

“É uma empresa muito jovem, com média de idades baixa. Acaba por dissipar algumas das formalidades normais das empresas. O trabalho torna-se leve, com o bom ambiente que há. O salário é apelativo para a média que se pratica na região. Na nossa turma, não há um único funcionário que tenha tido bases de informática. Temos enfermeiros, designers, engenheiros (mas não de informática)”, conta Paulo Lopes.

Ana Lopes, de 34 anos, era técnica de qualidade numa fábrica, em Bragança. Mas a pandemia veio alterar a forma como se vive o ambiente de trabalho. “Tinha-me despedido há pouco tempo. Saí por iniciativa própria. Estava desencantada com a minha área. Ou com o trabalho em si. A pandemia não ajudou. Precisava de um trabalho de escritório”, conta.

“Surgiu este programa e achei que era muito bom. É uma linguagem básica. Até tenho algumas bases em programação e não precisaria delas para concluir esta formação”, frisa.

Com uma licenciatura em engenharia mecânica, considera que o “IT é o que está a dar”. “Ouvimos falar em ordenados em cima da média, no trabalho remoto”, frisa
Está na Inetum desde janeiro. Diz-se “surpreendida” por este “ser um programa público”. “Conhecia dois programas idênticos mas a nível privado, com formações pagas. Aqui tivemos uma bolsa para estudar durante seis meses. Permitiu-me mudar de vida”, garante.

Quem também mudou de vida foi Teresa Costa, de 36 anos, natural de Bragança. Durante anos foi consultora comercial de uma ótica. “Sou licenciada em música, sou professora de canto nas horas vagas. Surgiu esta oportunidade, achei que era uma coisa nova e o mundo está sempre a avançar. Não podemos ficar parados. Dedicar-me a estudar outra vez foi um desafio muito grande mas foi espetacular. Tivemos acesso a aulas que não teríamos de outra maneira. Tivemos uma reação calorosa da empresa. Foi a melhor coisa que fiz”, garante.

Na área da música trabalhava em coisas muito esporádicas. “Não se faz um salário”, desabafa. Soube deste programa uma semana antes de fecharem as inscrições.
“Amigos de amigos meus, ligados ao IPB, falaram-me do programa. Foi no espaço de uma semana. Li sobre o programa. Tinha uma boa relação com os meus patrões e eles perceberam”, conta.

Tendo tido sempre uma “paixão pela tecnologia”, conta que no seu posto de trabalho “não havia por onde subir”. “Com 36 anos não queria cruzar os braços. Já tinha trabalhado com tecnologia. Foi juntar o útil ao agradável.

Foi muito duro no início. Foi desafiante”, confessa.

Mas garante que nunca pensou em desistir. “Em momento nenhum. Gosto de estudar e de ser desafiada. Era das mais velhas da equipa e tinha de estudar mais do que os restantes”, recorda. Agora, até já tem novas perspetivas profissionais.

Já tomei outro rumo dentro da empresa. Já estou como aprendiz de Project Manager.

Estou muito realizada. Sempre a aprender mais. Em tecnologia tem de ser assim. E permite-me estar em Bragança, perto da família.
A isenção de horário dá-nos alguma elasticidade. As condições são excelentes”, conclui.

Liliana Fernandes, uma das responsáveis da Inetum, garante que este programa é bom também para as empresas, a braços com falta de mão de obra qualificada.
“Neste momento, temos alguma falta de recursos. Temos tido boas experiências e achámos que seria uma ótima opção”, frisa.

A integração destes elementos “tem sido relativamente fácil”. “As pessoas já tinham tido alguma experiência profissional. Já têm noção do bom senso comportamental no trabalho. Demos alguma formação, para além da formação dos seis meses, nas nossas instalações. E cerca de 75 por cento da turma já está alocada (a projetos)”, explica.
Os formandos “vêm das mais diversas áreas”. “Temos uma enfermeira, uma de recursos humanos. Temos uma advogada, uma pessoa ligada à gestão. Temos uma equipa muito heterogénea”, garante.

Candidatos também vêm de fora da região

Por norma, os candidatos são oriundos do Nordeste Transmontano mas já houve casos de formandos que vieram do Porto. Ou até do Brasil.
É o caso de Thales Lima, de 32 anos, natural de Belo Horizonte, mas em Bragança há quatro anos e meio. “Fiz um mestrado (tecnologia ambiental) e fiquei. Trabalhei no Brigantia Ecopark, tive bolsas de investigação. Tive a oportunidade de trabalhar com a parte do desenvolvimento de aplicações web mas não como desenvolvedor, em parceria com o pessoal da engenharia informática. Achei bastante interessante. A parte da programação, aplicada à resolução de problemas ambientais, sempre me atraiu. Recentemente, veio esse interesse e calhou acontecer o contacto com o programa upskills. Estava com uma bolsa. O objetivo é ficar cá. Sinto-me em casa em Bragança”, garante, ele que integra uma turma que está, agora, a fazer a formação inicial.

E Bragança até nem foi uma escolha. “Vim com uma bolsa de estudos. Depois de chegar, tudo me agrada. Apesar de ser de uma cidade muito grande, prefiro uma vida mais pacata. E Bragança tem esse lado mais tranquilo mas oferece uma qualidade de vida muito boa.

Poder estar num local onde me sinto bem, acolhido, onde tudo é maravilhoso, a comida, e ainda ter oportunidades, são os ingredientes perfeitos para que continue”, aponta.
No seu caso, já tinha “uma base razoável” de informática para que, sobretudo agora no início, “não fosse um susto lidar com algo diferente”.

Mas admite que “tem sido desafiador”. “Temos de aprender muitas coisas num curto espaço de tempo. Mas está a ser bastante interessante porque os módulos complementam-se. Cada formador tem a sua experiência. Por mais que seja muita coisa, está a ser passada de uma forma interessante. Pelo menos eu tenho conseguido encaixar tudo”, garante.

À procura de uma nova vida está, também, Ana Rita Dagnino, de 45 anos.

Natural de Lisboa mas oriunda de uma família brigantina, está no Nordeste Transmontano há três anos. Chegou mesmo antes da pandemia, para tentar desenvolver um negócio na área da restauração, semelhante ao que tinha em Lisboa, onde os horários e a falta de apoio familiar tornavam impossível conciliar o trabalho com a vida familiar e o novo papel de mãe. “Com a pandemia, as coisas não correram assim tão bem e acabei por procurar outras oportunidades”, contou ao Mensageiro.
Psicóloga clínica de formação, tem, ainda, um MBA em gestão. “Bragança é uma cidade relativamente pequena, as oportunidades não são muitas. Uma das coisas que gostava de fazer era trabalhar na minha área mas gostava de ter alguma coisa mais certa. E o upskills veio preencher essa vontade e necessidade de encontrar uma coisa que tivesse futuro”, aponta.

Para já, a adaptação “está a ser boa”. A turma é fantástica. Fomos super-bem recebidos. Os professores são muito solidários. Tem sido passo a passo. Devagarinho, vou aprendendo. É possível a qualquer pessoa, com alguma dedicação. É uma experiência muito positiva”, garante.

A ideia é “ficar por Bragança”. “Entretanto tenho uma filha, que está aqui na escola e gosta de estar. Também se vive bem aqui, apesar de as oportunidades de trabalho não serem muitas”, frisa a mais velha da turma.

Programa que se coaduna com a política do IPB

O presidente do IPB, Orlando Rodrigues, sublinha que “estes cursos têm encaixado naquilo que é uma das principais estratégias do IPB”, ou seja, a aposta na qualificação de adultos e fazer da requalificação uma das principais áreas de atuação. “Procuramos ser uma instituição implicada com a região e ligada às empresas”, frisa.

Para além disso, “é hoje cada vez mais conhecido que as pessoas precisam, continuamente, de qualificar-se e requalificar-se, adaptando-se aos novos tempos”. “As tecnologias mudam muito rapidamente e estão a mudar mais rapidamente do que as qualificações das pessoas. As transformações do mercado de trabalho têm sido mais rápidas do que as transformações das qualificações das pessoas. Esse fenómeno é conhecido por nós e pelas empresas. Para ultrapassar essa circunstância, temos de, continuamente, qualificar e requalificar as pessoas”, diz.

Segundo Nuno Ribeiro, o presidente da Escola Superior de Tecnologia e Gestão (ESTIG), “no IPB já houve duas turmas que já terminaram”. “Uma delas em outsystems e outra em SAP. Agora temos outra a funcionar em webfronting Javascript, não com a Inetum mas com outra empresa (Mercle). São 46 os alunos que já fizeram parte deste programa. Em relação aos que já estão integrados nas empresas, da primeira edição estão oito alunos. Na última, todos os 14 que terminaram estão integrados na Inetum”, explica.

“A possibilidade de alguém, que não conseguiu ter emprego na sua área de formação, conseguiu ver aqui uma janela ou uma porta aberta para poder trabalhar em IT parece-nos interessantíssimo.

Isto está na génese do politécnico de Bragança, que é: fazer uma formação no âmbito de um programa nacional, que vai de encontro às necessidades das empresas, a pedido das empresas e onde as empresas dizem o que é que precisam. Isto é um pouco a génese do IPB, sermos uma instituição com impacto e trabalharmos em prol da melhoria da eficiência das empresas, da região, do país e do mundo”, conclui.

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