Alfândega da Fé

“Vamos abrir novo concurso para a venda do Hotel Spa” diz Berta Nunes

Publicado por António G. Rodrigues em Sex, 2014-06-13 16:10

Depois de um primeiro mandato em que foi obrigada a arrumar a casa, a presidente da Câmara de Alfândega da Fé, Berta Nunes espera começar a ter espaço para investir. Turismo e agricultura são as prioridades.

Mensageiro de Bragança: Ficou contente com o resultado das eleições ou esperava mais?
Berta Nunes.: Fiquei contente. Temos de ver que trabalhamos num contexto muito difícil. Comparei o nosso investimento com outros municípios com uma situação até melhor do que a nossa e foram semelhantes. Conseguimos pagar a tempo e horas. Tivemos cortes que ultrapassaram os três milhões de euros e, por causa disso, não conseguimos reduzir a dívida tanto como previsto no plano de saneamento financeiro, porque o Governo alterou as regras a meio do jogo. Tivemos de ser muito rigorosos e as pessoas valorizaram isso. Tivemos mais votação apesar de não termos feito tudo o que as pessoas precisavam por não termos recursos para isso. Mas fiquei satisfeita. Vi outros a chegarem a municípios com uma situação semelhante, não conseguiram resolver os problemas e até perderam no segundo mandato.

MB.: Gostava de fazer um terceiro mandato?
BN.: É possível. Gostava de fazer se achar que isso é útil para o concelho. Acho que neste mandato já vamos dar um salto muito positivo e, depois, podemos concentrar-nos mais no futuro sem o lastro do passado a pesar-nos sempre.

MB.: Como será este mandato, tendo em conta que no anterior ainda houve construção de estradas e da barragem do Baixo Sabor? Que dificuldades espera?
BN.: Temos de ter uma mudança de política a nível do Poder Central. Este ‘boom’ de investimento está a reduzir-se e prevejo que, se não houver políticas do Poder Central para fixar pessoas, muitas delas vão ter de emigrar. Sozinhos, não temos capacidade de criar empregos para toda esta gente. Por isso é muito importante que todos os presidentes de Câmara, agentes políticos, percebam que temos de exigir novas políticas para o Interior sob pena de ficarmos sem gente. Seria dramático e a minha esperança é que mudemos de política. Para isso, tem de mudar o Governo. Esta política tem sido muito gravosa. Desde logo, os cortes nas autarquias, que têm sido o motor de investimento.

MB.: Quanto já cortaram a Alfândega?
BN.: Quando entrei para a Câmara recebíamos seis milhões de transferências do Estado e, agora, cinco milhões. Recebemos menos um milhão por ano para investir. Isso é muito. Com candidaturas, esse milhão representaria quatro ou cinco vezes mais. Para além disso, tivemos o encerramento de serviços locais, como o Tribunal. Se tivermos um julgamento, temos de ir para Macedo ou Bragança com toda a gente atrás. Os poucos advogados que temos cá vão ter de mudar o escritório para Macedo ou Bragança. São menos postos de trabalho. Esse encerramento de serviços deixa o território mais despovoado, as populações mais longe dos serviços importantes. Isso leva as pessoas. O Centro de Saúde está num estado lastimoso.

MB.: Continua a haver falta de médicos?
BN.: Continua a haver é falta de atendimento. Há falta de médicos porque um deles está doente e só está a ser substituído a tempo parcial. Alguns que lá estão faltam muito e quando lá estão não atendem as pessoas, com algumas exceções. Por isso é que as pessoas não são atendidas. Quatro médicos para cinco mil habitantes chegam e sobram. Alguns que lá estão é que não cumprem com as suas obrigações.

“Alguns médicos não têm consideração pelas pessoas”

MB.: Há falta de profissionalismo?
BN.: Falta de profissionalismo, falta de consideração pelas pessoas. Alguns destes médicos estão aqui há muitos anos. Fizeram a sua vida em Alfândega da Fé como eu. Viemos de fora, fomos para o centro de saúde, trabalhamos aqui. O mínimo que temos de fazer é ter consideração pelas pessoas. Alguns, não estou a falar de todos, não têm consideração pelas pessoas. São capazes de não ir trabalhar, estarem lá e não atenderem as pessoas. Obrigam as pessoas a irem para as urgências de Macedo ou Mirandela sem necessidade nenhuma. As pessoas podiam ser bem atendidas porque aqui nem sequer chegam a ter 1500 utentes por médico. Tinham obrigação de atender bem as pessoas, com qualidade. Mas, infelizmente, as pessoas continuam a chegar ao Centro de Saúde e a não serem atendidas. A ULS está a fazer alguma coisa para mudar a situação. Espero que essas medidas resultem. Se estamos num território sem serviços de saúde de qualidade, sem Justiça, sem Finanças, as pessoas acham que não têm qualidade para aqui viverem. Por exemplo, temos uma situação com emigrantes que não voltam definitivamente por causa dos problemas do sistema de saúde. Temos de ter serviços de proximidade e o Governo não está a cuidar deles. E as poucas políticas que existiam de incentivo à fixação de investimentos foram retirados, o avião deixou de funcionar, encerraram o laboratório de sanidade animal. Por isso, se não mudar o Governo, o futuro do Interior não é muito brilhante, por muito que os autarcas se esforcem. Tem de se preocupar em trazer investimentos e em trabalhar para fixar aqui empresas. E quando quiser encerrar serviços e centralizar, que centralize no Interior. Hoje em dia, em muitas situações, tanto faz estarem no Porto ou em Trás-os-Montes. Isso é que tem de mudar. Se não, estamos a desertificar mais de metade do país. Será que os nossos políticos não veem isso?

MB.: E acha que o PS vê isso?
BN.: Tem obrigação de ver. É preciso uma série de medidas que travem o despovoamento. Se o PS ganhar e não fizer isso, pessoalmente tirarei consequências disso. Não posso aceitar isso. Todos os autarcas e mesmo todas as pessoas que estão nestes territórios não podem pactuar, nem que seja um Governo do nosso partido. Sou militante do PS por convicção mas só o serei até ao momento em que ache o PS está a governar bem e a ter as políticas certas. A partir do momento em que ache que não está a cumprir os compromissos, temos de cobrar isso. Pessoalmente, não irei aceitar se esses compromissos com o Interior não forem cumpridos. Acho que todos os autarcas têm, primeiro, uma obrigação para com os seus munícipes e só depois com o partido. As pessoas votaram em mim e represento as pessoas do concelho. Se a política não for feita assim, as pessoas deixam de confiar nos políticos. Temos de ser exigentes em relação ao Governo e a quem dirige o partido.

MB.: A agricultura é uma das apostas neste mandato. Como?
BN.: A nossa missão é contribuir para o desenvolvimento do nosso concelho, captar investimento, criar emprego, fixar população, evitar o despovoamento. Não o podemos fazer de forma isolada, tem de haver políticas nacionais. Tudo o que puder atrair investimento e contribuir para criar riqueza, não podemos deixar de lado a nossa intervenção. Muitas vezes é só apoiar. Não vamos liderar projetos agrícolas mas temos de estar atentos ao que se passa, percebermos para onde queremos ir, perceber quem são os parceiros e tornar a nossa agricultura mais produtiva e que fixe população.

MB.: Foi lançado o desafio de um congresso internacional sobre a amêndoa. A região precisa de investir mais na agricultura. A amêndoa está a ganhar espaço em Alfândega da Fé?
BN.: Somos o terceiro maior produtor, a seguir a Foz Côa e a Moncorvo, mas os nossos produtores estão, neste momento, com a intenção de aumentar o investimento e a área de produção de uma forma significativa. A amêndoa era uma produção marginal e estava nos piores terrenos, não era regada, e estes novos investimentos estão a ser feitos em zonas regáveis. Nesta altura estamos a requalificar o regadio da Estevainha, que é só mesmo para regadio. Também rega todo o cerejal. Neste momento, muitos produtores vão plantar amendoal. A própria cooperativa agrícola vai plantar mais amendoal. Nesta altura não temos problemas de produção, mas de comercialização. Podemos produzir muito mais porque conseguimos vender tudo. É o esforço que a cooperativa está a fazer junto dos seus associados. E a cooperativa também tem a preocupação de modernizar o amendoal. Tem uma candidatura com a UTAD, o IPB e o agrupamento de produtores de Moncorvo para testar as melhores variedades de amêndoa na nossa região. Os agricultores estão a investir, mas com pouco aconselhamento de quem sabe mais desta área, que está continuamente em evolução e é necessária mais investigação nesta área. Cooperativa está a tentar, e bem, fazer campos de experimentação no terreno para os produtores saberem em que variedades investir. É uma nova postura sobre agricultura, tornando-a mais moderna.
Não queremos uma agricultura que polua mas queremos uma agricultura que crie riqueza e remunere os produtores. Não queremos, por exemplo, o que encontramos em Espanha com quilómetros e quilómetros de monocultura. Do ponto de vista da biodiversidade não é bom. No nosso concelho em particular temos uma agricultura diversificada. A amêndoa vai ser cada vez mais importante. Não temos um problema de comercialização, temos é de produzir mais. Até pelo facto de termos aqui duas empresas que transformam a amêndoa. Ao mesmo tempo também temos outras produções importantes, como a castanha, na serra. Somos membro da Refcast, uma rede que inclui toda a fileira da castanha e é liderada pela UTAD. É das culturas que dá mais retorno aos agricultores mas tem vários problemas, como as doenças e as alterações climáticas. A produção está a subir de altitude por causa das alterações climáticas.
A autarquia tem de estar atenta a estas questões, de trabalhar com os parceiros, como a cooperativa agrícola, com as empresas de comercialização, de forma a que esta atividade económica, que continua a ser a principal do concelho, seja mais relevante.
A cooperativa agrícola está a assumir a liderança em várias destas áreas e bem. As associações de produtores não têm a capacidade de terem técnicos para apoiar os agricultores. Não têm capacidade de liderar projetos de investigação. Do ponto de vista da autarquia, estamos muito atentos a tudo o que tenha a ver com a agricultura.

MB.: A agricultura é a resposta?
BN.: Sabemos que a agricultura, embora possa criar riqueza, não vai ser muito importante na criação de emprego. Tem vindo a modernizar-se e a mecanizar-se e precisa de cada vez menos mão-de-obra. Embora tendo de apoiar a agricultura, temos de criar outras atividades que criem emprego para fixar pessoas. Sem emprego, isso não é possível. Também há muitos jovens que estão a dedicar-se à agricultura que já têm outras competências e outra formação e isso vai provocar uma mudança. Mas temos de criar outras atividades.

“Não podemos transformar-nos num grande lar de idosos”

MB.: Como é que isso será possível?
BN.: A área do turismo é muito importante na criação de emprego e fixação de pessoas. Neste mandato estamos apostados em apostar muito no turismo. Considero que tem de haver mais do que a agricultura e o turismo, os produtos endógenos e a agricultura são os pilares para desenvolver. Estou convencida que isso não é suficiente para reverter o despovoamento. Tem de haver mais do que isso. Tem de haver atração de investimento, tem de haver outras políticas do Poder Central. Se isso não acontecer, continuamos a perder população e sem pessoas nem sequer conseguimos apoiar os recursos que temos. Isso é um drama muito grande para o país. É estarmos a perder recursos que só podem ser aproveitados se tivermos gente para o fazer. E gente qualificada, gente jovem. Não podemos ficar só com os mais velhos e transformarmo-nos num grande lar de idosos. Não é essa a nossa vocação. Queremos tratar bem os nossos idosos e temos muitos projetos nessa área mas do ponto de vista do desenvolvimento queremos ter jovens, fixar gente e criar emprego. Por isso, para além da agricultura, que temos vindo a trabalhar, achamos que o turismo é uma das áreas a apostar.

MB.: E o que têm previsto fazer nesse aspeto?
BN.: Temos já uma série de projetos para, no próximo Quadro Comunitário, podermos recuperar uma série de património e torná-lo visitável. Criar motivos de atração para os turistas que nos visitam. E também temos apoiado a iniciativa privada na criação de alojamento, de turismo rural, e achamos que o hotel spa tem de aumentar o número de quartos e passar a ser ainda mais importante. Já é um projeto âncora para Alfândega da Fé. Os turistas que nos visitam fazem-no via hotel spa. O constrangimento de ter só 25 quartos é que tem de ser ultrapassado e ter, no mínimo, 50 a 75 quartos. Só assim é que poderá ser um investimento sustentável.

MB.: Como está o processo de venda?
BN.: Ainda não está concluído e vamos ter de abrir um novo concurso. Tivemos um problema grave com o primeiro concurso. Durante dois anos, o Tribunal de Contas não nos deu o visto para podermos vender.

MB.: Mas essa situação já foi ultrapassada…
BN.: Sim, mas a situação já se alterou muito e temos intenção de abrir novo concurso. Os que ganharam, embora mantendo algum interesse, já não têm condições para manter a proposta. Queremos vender o Spa mas para o viabilizar. Vamos abrir novo concurso para tornar isto claro e transparente. Mas temos a intenção de investir muito no turismo durante este mandato.

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