Páscoa Feliz
Em 1932 é dada à luz a primeira edição de Páscoa Feliz da autoria de José Rodrigues Miguéis, tão notável como esquecido escritor. Os homens do foro, de todas as condições e escalões, ganhavam saberes se, pelo menos, lessem as sete páginas do primeiro capítulo, os outros, nós, ficaremos enriquecidos espiritualmente lendo a totalidade da novela. Os aspirantes a escritores, os tarimbeiros da prosa, os rabiscadores de imitações de romances, contos e novelas engordam a conta-corrente do gosto e do saber se mastigarem devagar, devagarinho, as notas do autor à segunda edição saída vinte e seis anos depois. Não sou crítico, muito menos decifrador das linguagens dos estilos literários reli e voltei a reler as ditas notas como se estivesse a roer deliciosas amêndoas cobertas trabalhadas primorosamente pelas doceiras de Moncorvo. A quase totalidade dos portugueses são espectadores dos variados espectáculos consagrados à justiça, seja nas televisões, seja nas revistas e jornais, não faltando a ópera bufa a soprar insinuações demolidoras da confiança que todos devemos possuir nas instituições. Está prestes a chegar o dia da consagração da Páscoa festa acutilante de cristãos e judeus. Apesar de não passar de clamorosa utopia o meu desejo de a generalidade de os leitores consagrarem duas horas à Páscoa Feliz de Miguéis integrando-a no programa festivo pascal, nutro a esperança de, ao menos um aceder à aludida delícia. O que proponho por ser tão simples, tão fácil é esquecido pelos pedagogos (o autor foi fecundo pedagogo), bibliotecários e restantes agentes culturais. Além dos bolos e folares, coelhos e coelhinhos de chocolate, os pais podem incluir livros no cesto das prendas, se lhes faltar dinheiro (à maioria é bem capaz de faltar) levem os rebentos às bibliotecas, não é assim tão custoso, aproveitem a deixa e solicitam as obras deste homem de letras gordas e miúdas a enfileirar ao lado dos melhores prosadores de língua portuguesa. Nós clamamos contra a vil tristeza reinante no reino político, no entanto, esquecemos as nossas responsabilidades nas escolhas na maioria dos casos fruto de diminuta informação e gritante falta de lastro civilizacional e cultural. O cronista Vasco Pulido Valente salientou há dias que as causas da nossa pequenez não residem na carência de instrução e formação, sim na exiguidade de recursos. Um leitor protestou. Recebeu resposta pronta e afiada. Temos muito a aprender lendo os Mestres dos que sabem. Páscoa Feliz.