A opinião de ...

A maturidade do 25 de Abril

A Revolução de Abril irrompeu na vida de muitos de nós, de modo inesperado, pois quase de um dia para o outro, as perspetivas de vida mudaram.
No nosso País, por aquele tempo, aqueles que sob a semântica das palavras se designaram de retornados, embora com mais propriedade se deveriam ter chamado refugiados, chegaram aos milhares (entre os quais eu com 5 anos), fugidos à guerra, ainda que vivêssemos em paz e harmonia com o povo angolano (e dentro dele muitas tribos), vítimas de uma descolonização e independência necessárias, mas levada a efeito com tão infelizes e desastrosas consequências, entrando em Portugal em lamentáveis condições, na maior penúria e em precárias condições alimentares e higiénicas que abalaram a saúde física e moral de muitos, especialmente as crianças.
Nesses tempos não foi fácil descobrir a esperança e a alegria imanada do horizonte do fim de um Estado e o começo de outro, deste início de virar de página.
Entre outras razões para tal, o facto de o ganha-pão de cada dia e a integração social e profissional ser concretizado à custa de muito suor e lágrimas e o esforço quase desumano de trabalho sem cessar. Quantos pais não devem ter passado noites sem dormir apesar do corpo moído e extenuado pelo cansaço, pensando no futuro dos filhos!
De grande valia e alívio, muitas vezes, foi a generosidade de muitas pessoas, de organizações da Igreja, da Cruz vermelha e da própria ONU, da UNICEF e de outros países que ajudaram com, entre outras coisas, a oferta de leite, farinha, conservas, roupa, cobertores, calçado e até casas de madeira e alguns pequenos apoios financeiros.
Não obstante estas vicissitudes, gosto e assinalo como fundamental o 25 de Abril (e depois o 25 de novembro) na perspetiva existencial do país e de todos nós, como proclamação da liberdade e da dignidade, pois contribuiu para que a nossa nação pudesse ter uma ordem política mais próxima das democracias ocidentais, mais respeitadora dos direitos, liberdades e garantias fundamentais, sem censura nem polícia política, nem presos políticos, com pluralismo e com eleições livres e honestas, com mais justiça e mais solidariedade.
Assim, o seu significado mais recôndito me começou a fazer sentido, desde logo, pela música, com muitas canções que aprendemos na Escola e depois trauteávamos nos nossos maravilhosos tempos de brincadeira, ao ar livre e uns com os outros.
Depois foi-se impondo numa celebração autoconsciente que envolveu sempre uma dimensão social e especialmente uma participação cidadã, celebrada num sentido comunitário e em comunhão, livremente, em liberdade e libertada de quem sempre se sentiu tentado a afunilar o 25 de abril numa vertente ideológica de esquerda radical e comunista.
Neste sentido, penso que se deve dar grande relevo às celebrações que são levadas a cabo pelas Autarquias, isto é, pelas Câmaras Municipais, as Assembleias Municipais e as Juntas de Freguesia porque traz este acontecimento para o tempo presente e para as pessoas, neste tempo e de acordo com a circunstância comunitária e de cada um. O município de Bragança neste particular é deveras um exemplo nacional.
Hoje, celebrar a maturidade do 25 de abril é quase ter de fazer uma nova revolução, perdoe-se o exagero, para se concretizar, por exemplo, a liberdade de manifestação do pensamento, tão crispados andam os registos sobre quem ousa falar sobre certos assuntos ditos conservadores. Ou então, para o direito à informação verídica sobre os acontecimentos e a vida pública nacional e internacional. Ou ainda para se realizarem os direitos de uma vida digna, com saúde, justiça e educação de qualidade. Ou porque não para a participação responsável na vida social e pública, com menos corrupção e desbaratamento das finanças públicas.
É preciso escutar os ensinamentos e as vozes inspiradoras de Abril para que a esperança nunca esmoreça no meio de alguma degenerescência civilizacional hodierna.

Edição
3983

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