A opinião de ...

O filme de terror que saltou dos ecrãs para o nosso dia a dia

O texto da acusação do processo relativo à morte de Valentina, a criança de nove anos alegadamente assassinada pelo pai em maio passado, em Atouguia da Baleia (Peniche), é mais arrepiante que o mais brilhante filme de terror produzido por Hollywood.
Um terror que não é, ainda assim, comparável, ao sentido por aquela criança durante as horas de provação a que foi sujeita, precisamente por aqueles que primeiro a deviam proteger, a começar pelo pai, mas passando pelo resto da sociedade.
“Queimada com água a ferver e espancada com violência” são expressões que se leem mas não se esperavam encontrar num texto relativo a uma criança de nove anos... nove.
Segundo a acusação do Ministério Público, revelada pelo JN, a menina esteve a agonizar várias horas no sofá, até morrer, enquanto o pai, Sandro Bernardo, agora com 33 anos, e a madrasta, Márcia Monteiro, 39 anos, fizeram a sua vida normal, como se nada se tivesse passado. Os dois estão acusados em coautoria dos crimes de homicídio qualificado, profanação de cadáver e simulação de sinais de perigo, o que lhes pode valer uma condenação à pena máxima de 25 anos de prisão. Sandro responde ainda por um crime de violência doméstica.
“Após cinco minutos de terror e humilhação, "e não obstante os gritos e súplicas de Valentina, o arguido desferiu uma pancada com muita força, com as mãos, na cabeça da mesma, na parte superior do crânio, que lhe provocou uma hemorragia interna e, consequentemente, fez com que ela caísse na banheira". Em consequência destas agressões, a menina começou a desfalecer e a ter convulsões, o que fez com que Sandro e a companheira Márcia lhe desferissem bofetadas na cara, para a tentar reanimar. Apesar da gravidade do estado de saúde da filha, deitou-a no sofá, ali a deixando a agonizar até cerca das 22.00 horas, altura em que a menina, já morta, foi levada e abandonada numa zona florestal, a nove quilómetros da casa onde tudo aconteceu, escrevia o JN, esta semana.
A pergunta que fica é: como é possível este cenário dantesco ter ocorrido debaixo dos nossos narizes em pleno século XXI?
E o que fazemos, e fizemos, todos nós, entretanto, para que um cenário idêntico não se volte a repetir?
Em janeiro deste ano, já o Papa Francisco defendia que as crianças são “um dom para a Humanidade”. Afinal, representam o futuro da nossa espécie e o futuro é especialmente importante se tivermos em conta que é lá que vamos passar o resto das nossas vidas.
Dizia o Papa Francisco que “a avaliação de uma sociedade deve ser feita pelo modo como ‘as crianças são tratadas’”. “Se a sociedade é livre ou escrava de interesses internacionais”, disse, lembrando ainda que “Deus não tem dificuldade em explicar-se às crianças, e elas não têm problemas em entender Deus”.
O Papa demonstrou como os mais novos "são riqueza para a humanidade e para a Igreja" e afirmou que as crianças recordam-nos, "constantemente, que a condição necessária para entrar no Reino de Deus é não se considerar autossuficientes, mas sempre necessitados de ajuda, de amor e de perdão", afirmou.
De entre os "inúmeros presentes" que as crianças podem dar à Humanidade Francisco referiu "o modo como veem a realidade, com pureza e confiança" porque "guardam a simplicidade interior". "As crianças não são diplomáticas. Dizem o que sentem e veem, não têm duas ‘caras’", completou.

Vergonha é o que devemos sentir, enquanto sociedade, por continuarmos a permitir situações do género no nosso mundo dito civilizado.

Edição
3807

Assinaturas MDB