Pedro Ramos

Ainda Sampaio

Corria o ano de 2014 quando decidi aventurar-me na escrita de um pequeno ensaio. O tema era a celebração dos 40 anos do 25 de abril, com apontamentos sobre o processo democrático e de integração europeia. Isto depois de um apelo em forma de concurso, promovido pela Antena 1/RTP, que vi publicitado algures na internet.
Lembro-me bem do momento em que me atirei à escrita - “atirar-me” é justamente o termo -, e lembro também a incredulidade que senti quando fui contactado por uma jornalista, que me comunicou ter sido um dos três vencedores.


O terror da criação

É conhecido o drama da página em branco. O escritor arranca para o texto muito a medo, mergulhado na dúvida sobre o que dizer, como dizer, para quê dizê-lo. Desejavelmente, a ideia germina muito antes, num momento de distração produtiva, num acaso de felicidade, numa caminhada ansiosa. A ideia ergue-se das sombras do subconsciente, rebenta as fronteiras do sonho para chegar, difusa e fragmentada, às mãos de quem aconteça agarrá-la. Do mistério à arte vai o sinuoso, laborioso exercício da materialização.


O Sísifo do Marão

Quem atravessa o Marão pelo túnel percebe a imagem: a dada altura, lá no fundo, há uma luz real, superior às luzes elétricas do percurso, que é a luz solar incrível do enclave montanhoso do outro lado. As primeiras referências à “luz ao fundo do túnel”, bastante incertas, datam de 1880. Provavelmente inspirado por outros túneis em outros mundos, alguém ligou a expressão a um sentimento de esperança, uma hipótese de ver uma situação de sofrimento ou tormenta terminar, a resolução para um drama qualquer.


Sobre lobos e muros

Há muito, muito tempo eram os lobos a principal ameaça. Por vezes vinham em matilhas poderosas como embaixadores emproados, desfilando pelos descampados, atordoando galinhas com a sua retórica canina. Outras vezes vinham isolados, lobos solitários, como amoladores de facas, ansiosos por aguçar o dente. Lá para os lados de Porto de Mós os camponeses inventaram os muros de pedra seca, desconcertantemente simples. Uma pedra é uma pedra, e pedra sobre pedra, sem adereços fúteis, se faz o muro.


Jardineiros de Abril

Sento-me numa cadeira pacífica para escrever o texto. É Abril, a passarada esvoaça enlouquecida pelo quintal e a terra ainda se recorda, empapada, da chuva da noite anterior. Todo o horizonte são árvores e prédios, e escolhem-se as primeiras para erigir a imagem da crónica.


O livro não lido

Estou há mais de quinze anos procurando coragem para ler Morreste-me, a obra de José Luís Peixoto. Comprei o pequeno livro num impulso, e guardei-o religiosamente à espera do momento certo. Lembro-me de abri-lo e ler dois ou três parágrafos antes de sentir o abalo interior que precede a queda. Então recuei. Ficou-me dessas incursões, gravada na memória, uma passagem que reza algo como isto: Orienta-te, rapaz. Eu oriento-me, pai. Não se preocupe. Eu também sei, eu também consigo.


O Confinamento Interior

Há um princípio fundamental da Saúde Pública que podemos resumir assim: “Quando funciona, nada acontece.” Esta verdade essencial leva a que o trabalho quotidiano dos profissionais da vigilância epidemiológica, que diariamente acompanham a evolução das doenças infecciosas no nosso país, esteja invisível ao olhar comum. Porém, eles cá estão, cumprindo a sua missão patriótica, infelizmente com um défice de recursos significativo.


Assinaturas MDB