A opinião de ...

O vírus que se instala

No dia em que se cumprem dois meses desde o primeiro caso de covid-19 no distrito de Bragança (entretanto, felizmente já recuperado), o mundo inteiro deu várias voltas, baralhou e está a dar de novo.
Cancelaram-se eventos que nenhuma guerra, crise ou peste tinham cancelado antes, as ruas nas grandes cidades ficaram desertas como não há memória de alguma vez terem estado, as relações humanas e afetivas perderam muito do calor que as caracterizava.
Grandes líderes descobiram em si uma força que nunca tinham visto antes enquanto outros líderes grandes destapam a careca e mostram o flop que sempre foram e o discurso vazio que os alimenta.
Ao longo dos últimos dois meses, o grande foco de atenção foi o combate à doença. A prioridade em estancar o contágio fechou-nos em casa e focou a comunicação social nesse novo normal.
Os efeitos secundários de tão duro remédio saltam, agora, ao de cima. Aos lay off hão de seguir-se as falências e, com elas, o desemprego e os casos dramáticos de quem tinha uma vida estruturada e, de repente, se viu sem chão nem amparo da queda.
É nessas alturas que a sociedade tem de ser, de facto, um todo, uns pelos outros e não apenas a soma das partes.
Ao longo das últimas semanas, nas páginas do Mensageiro, já começaram a ser evidentes os sinais. Noticiámos o aumento de pedidos de ajuda à Cáritas Diocesana, notíciámos o aumento do desemprego na maioria dos concelhos, noticiámos o grande número de empresas que recorreram ao lay-off no distrito de Bragança.
Mas as necessidades que aí vêm ainda são envergonhadas, que se um problema desta magnitude fosse motivo para qualquer tipo de vergonha (da mesma forma que a ajuda não deve ser motivo para alarde).
Numa recente conferência organizada pela ACEGE, a Associação Cristã de Empresários e Gestores, D. José Cordeiro, o bispo de Bragança-Miranda, alertava para o perigo de esta crise, que começou sanitária, se transformasse numa crise social, cultural e espiritual, ou seja, que se entranhasse até ao âmago da sociedade.
Os pedidos de ajudas mais básicas (alimentação) começam a jorrar dos mais diversos quadrantes e de uma franja da população que até aqui trabalhava e, de um momento para o outro, se encontrou arredada dos mecanismos de proteção social delineados pelo Estado.
Nos próximos meses, o foco deve, por isso, recentrar-se. Não nas dificuldades de acesso às praias mas na dificuldade de acesso a alimentos, casa, o mínimo para as famílias viverem. Não nos deixemos distrair pelo calor do verão que se avizinha...

PS.: Há muito que a imprensa regional não entrava na casa das pessoas com a facilidade com que o fez nos últimos dois meses, um pouco por todo o país. Ao contrário dos jornais e televisões nacionais, cuja narrativa está centrada nos palcos e personagens que circulam, maioritariamente, por Lisboa, no resto do país são os jornais regionais que fazem a ponte entre a realidade e o comum dos cidadãos. Numa altura de crise como esta, em que as vendas em banca caíram para todos os jornais (sobretudo os nacionais, que praticamente não têm assinaturas), e em que os pedidos de apoio dos órgãos de comunicação social ao Governo subiram de tom (muito pela ação da Associação de Imprensa de Inspiração Cristã), custa ver velhos comportamentos. Como podem pedir apoio os que são os primeiros a atropelar não só a ética e a deontologia como o próprio meio em que sobrevivem? Se os tubarões comerem todo o peixe do mar acabam por morrer de fome. Ver diários nacionais aproveitarem-se dos jornais locais (como aconteceu recentemente ao Mensageiro) sem dar o devido crédito à fonte onde foram copiar a notícia é a canibalização de um setor ligado às máquinas e sem perspetiva de cura ou vacina. E pelo meio ainda há os oportunistas que vão pairando na net ao arrepio da lei mas que o comum dos cidadãos nem se dá ao trabalho de distinguir.
Por isso é que uma imprensa regional forte e saudável traz mais saúde à sociedade, desde logo por servir de filtro a todas as falsidades e meias verdades que pululam nas redes sociais. Prova de que a população sente essa necessidade são os números de acessos ao site do Mensageiro, que nos últimos meses têm batido recordes (ver última página). Um sucesso que outros parecem querer cavalgar.

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