A opinião de ...

Cuidar do planeta, a Casa de Deus

Em 2015, o Papa Francisco surpreendeu o mundo com a publicação da Encíclica Laudato Si, em que defendia a “conversão ecológica”.
Não era normal a Igreja dedicar atenção a assuntos tão ‘mundanos’ e que, aparentemente, são pouco ‘espirituais’.
Ultrapassado o choque inicial, a posição do Papa Francisco sobre a necessidade de todos nós e, sobretudo, os governantes, adotarmos medidas e comportamentos adequados à preservação da natureza e da conservação do planeta, casa comum, fez escola.
As mais recentes eleições europeias demonstram que, em Portugal, a defesa da natureza é uma preocupação crescente, sobretudo entre os mais jovens.
Um dos exemplos dessa mudança está no discurso político, onde o tema está cada vez mais presente.
“É curioso que quando olhamos para as declarações de vários políticos europeus, todos eles, nos últimos dias após as eleições europeias, mencionam o tema das alterações climáticas”, realça o responsável pela Associação ‘Zero’, para quem é preciso agora passar das ações às palavras, porque a luta contra a degradação ambiental atingiu um “ponto fulcral”, dizia Francisco Ferreira, da Associação Zero, no início de maio, em entrevista à Agência Ecclesia.
“Até 2044, de acordo com o relatório científico mais recente, de outubro do ano passado, nós precisamos de atingir aquilo a que chamamos de neutralidade carbónica. Ou seja, precisamos que o carbono que é retido principalmente pelas florestas seja igual ao carbono que emitimos por exemplo pela queima de combustíveis fósseis”, salientava o mesmo responsável.
O setor dos transportes é um dos pontos-chave nesta conversão ecológica, com a necessidade de, “a muito curto prazo, de abandonar os carros a gasóleo ou a gasolina”.
Outra área essencial é a indústria alimentar, onde tem de ser também instituída uma “mudança de paradigma”, desde “a escala individual até à ação política”, no que respeita ao “uso de recursos”, de hábitos de produção e de consumo.
No mesmo texto da Ecclesia, lia-se que a Encíclica do Papa Francisco contesta um modelo de desenvolvimento baseado no “uso intensivo de combustíveis fósseis”, que está no centro do sistema energético mundial.
O Papa defende ainda a necessidade de uma redução de gases com efeito de estufa, o que “requer honestidade, coragem e responsabilidade, sobretudo dos países mais poderosos e mais poluentes”.
A encíclica com 246 números, divididos em seis capítulos, fala da “relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta” e lança várias críticas a um “novo paradigma e formas de poder que derivam da tecnologia”, desafiando a comunidade internacional a “procurar outras maneiras de entender a economia e o progresso”.
Francisco convida a reconhecer “o valor próprio de cada criatura”, o “sentido humano da ecologia”, e considera que face a temas tão complexos existe a necessidade de “debates sinceros e honestos”.
O Papa recorda “a grave responsabilidade da política internacional e local”, condenado o aborto e a “cultura do descarte”, num texto que apresenta a proposta dum “novo estilo de vida” para a humanidade.

Agora, quatro anos depois, um estudo de um grupo de trabalho australiano vem lançar um alerta ainda mais catastrofista.
“A Humanidade vai enfrentar uma “ameaça existencial” nas próximas décadas, com as consequências das alterações climáticas a criarem uma “elevada probabilidade de a civilização humana acabar” até 2050, ou seja, nos próximos 30 anos”, lê-se numa notícia publicada pelo Observador.
A pesquisa alerta para o risco de “consequências extremamente graves” relacionadas com as alterações climáticas, consequências que estão longe de ser corretamente valorizadas pelas populações e pelas lideranças políticas. Basta que o planeta aqueça pelo menos três graus Celsius — a trajetória atual — para que se criem reações em cadeia que irão acelerar o colapso de ecossistemas-chave como os corais, a floresta amazónica e o gelo no Ártico”.
Por cá, os períodos de seca serão cada vez mais prolongados, as pragas mais agressivas e a agricultura menos produtiva. Os períodos críticos de risco de incêndio passarão, brevemente, dos três para os seis meses...

A Encíclica do Papa Francisco provocou uma inflexão nos discursos políticos. Mas discursar, só, não chega....

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