Só a Grécia para nos dar uma lição de Democracia
Nestes últimos anos, nós, a populaça, em resultado da crise económica em que o país mergulhou, temos sido diariamente bombardeados com palavras e expressões que pertencem ao campo semântico do “economês”: crise económica, mercados (quase sempre nervosos), dívida soberana, resgate financeiro, deficit, recapitalização da dívida, austeridade e outras que tais.
Como é sempre mais fácil culpar o colectivo, fez escola a ideia “embustosa” defendida por uma certa elite (que fala sempre de cima da burra) de que, quer em Portugal quer na Grécia, o depauperamento de ambos os países se deve ao facto do povo viver além das suas possibilidades. Ou seja, adquiriu casa própria, comprou um Clio (esse veículo de luxo!), um frigorífico e uma máquina de lavar roupa, tudo com empréstimo bancário.
Esse povo que, durante anos, viveu “faustosamente” e que, em consequência da austeridade, se viu perante a humilhação de não conseguir honrar os compromissos assumidos com as entidades credoras, porque lhe reduziram o salário e ficou sem emprego, não tem perdão de dívida nem acesso aos mecanismo de recapitalização de que tem beneficiado quem lhe emprestou o dinheiro.
Por muito ignorantes que sejamos na matéria, não é difícil saber quem são os culpados da tragédia grega e portuguesa. Eles andam por aí. Estão identificados. Mesmo assim, nesta Europa que nasceu sob o signo da solidariedade (não há união sem ela), essa gente, os principais responsáveis, passam por entre os pingos da chuva, intocáveis, defendendo uma austeridade de que estão a salvo.
Ninguém tem a certeza se, depois da vitória do “Não” na consulta popular a que foi submetido, o berço da Democracia vai ficar melhor, económica e socialmente. Até ao dia do referendo, em resultado do dito programa de austeridade, sabemos que 25% dos gregos não tinham emprego, milhares passavam fome. Garantias, neste momento, só em relação ao carácter dos helénicos: de facto, aquilo é mesmo um povo corajoso, determinado, reagem à humilhação, o país está acima dos interesses partidários.
Um dia após o referendo – isto seria impensável no nosso país -, todos os partidos com assento parlamentar na Grécia (da esquerda à direita) se reuniram para apresentar soluções para convencer as ditas Instituições a aceitar um novo Programa, permitindo simultaneamente tornar a dívida pagável (com distribuição equitativa dos sacrifícios) e devolver a dignidade ao povo. Um gesto carregado de simbolismo: por um lado, porque contraria, assim, aqueles que, maliciosamente, pensam ser impossível negociar com inexperientes; por outro, é um recado aos parceiros europeus, fazendo-lhes ver qual o sentido das palavras “união” e “solidariedade”.
Como simbólico foi o gesto nobre e desprendido do ministro das finanças grego, Varoufakis, ao demitir-se, depois da confortável vitória do “Não”, com o pretexto de que a sua continuidade no cargo poderia pôr em causa as negociações com a Troika, prejudicando o seu país. Uma saída triunfante, pela porta grande, coisa rara na nossa classe política, mesmo que sobre os visados haja acusações comprometedoras.
Fora do Euro ou regressando ao dracma (os dois cenários são possíveis), a Grécia, mesmo com a fama de “mau aluno”, há-de ser sempre o repositório dos supremos valores da Democracia.