A opinião de ...

A solidão do Crucificado

Sempre me impressionou a Sexta-feira Santa. Desde criança. Faz-me sentir profundamente triste, não só pelo suplício da crucifixão, mas sobretudo pela desapontante solidão humana de Jesus Cristo.
Revivendo a grande narrativa que Lucas apresenta, proclamada ainda neste Domingo de Ramos, não deixa de me fazer pensar como, depois de uma Última Ceia, de convívio e celebração e de gestos tão significativos do poder do Amor, apenas Pedro seguiu Jesus “de longe” e depois de O negar, desapareceu!
Doze apóstolos, tantos seguidores, tanta gente entusiasmada e depois, quase ninguém! A sua Mãe, as mulheres de Jerusalém, e de outros relatos, sabe-se, o discípulo João, apenas estes O acompanharam até ao fim.
Acreditaram também na sua inocência, curiosamente, o próprio Pilatos, o centurião, José de Arimateia, não obstante ser membro do Sinédrio, e o bom ladrão.
Dos outros Apóstolos principalmente, daqueles a quem se esperava outra atitude, nada! Medo e cobardia!
Até à cruz, Jesus é objeto de troça, de insultos, de violência física e psicológica, de coação, de artimanhas políticas, de acusações falsas, de entregas de Pilatos para Herodes e Herodes para Pilatos, demagogias e pressão da turba, colocado a par de um assassino como Barrabás e depois, crucificado.
Nesse dia de sexta-feira, segundo os Evangelhos, às 15h, Jesus morreu. Instala-se um silêncio contemplativo.
Chamados a ver para lá das aparências e das sequências das diferentes formas narrativas, descobrindo a substância e atualidade sempre perene desta passagem histórica, assoma-se a pergunta: foi só naquele tempo o abandono do Crucificado? E agora, como aqueles que somos ou pelo menos pretendemos ser seus seguidores, o que fazemos?
Talvez estejamos a fazer o mesmo como os Apóstolos! Especialmente quando deixamos divinizar o transitório e superficial mediático, dominar os interesses económicos e sociais em detrimento da dignidade da pessoa humana, influenciar o politicamente correto e as relações egoístas de interesse próprio, proliferar as expressões e linguagens de posse e vazias de sentido do bem comum.
Enfim, se e quando se torna mais exigente e difícil viver ao modo e ao jeito de Cristo, procurando agradar tantas e tantas vezes à massa humana sem fé, ora para não “parecer mal” e nos incomodarmos ora por reduzirmos a vida espiritual ao mínimo e a vida material ao máximo, sacrificamos princípios, valores e o compromisso cristão.
Se quisermos ainda ir um pouco mais além, quando naquela cruz não descobrimos as outras solidões, os outros abandonados desta vida, as outras solidões humanas, os outros silêncios, as outras pessoas e povos perseguidos, inclusive aqueles cristãos perseguidos por causa da sua fé.
Em todo o caso, naquela cruz, loucura para uns e alento para outros, um sinal absoluto de Deus e da sua compaixão, encontram-se as diferentes experiências de abandono que são acolhidas e ganham expressão no Cristo crucificado.
Acreditamos que foi também para esta redenção que Jesus morreu na cruz, para que os nossos pecados não nos impeçam de dar os passos no caminho do bem a fazer aos que vivem a solidão nas suas diferentes dimensões.
Conforta-nos saber e o exemplo, como diz Tolentino de Mendonça de que “não há nenhuma solidão humana, não há nenhum silêncio, não há nenhuma experiência de abandono que não possa ser aproximada do silêncio e do abandono com que Jesus morreu”, pois, “os braços da cruz que Jesus abre são o grande abraço de Deus à nossa humanidade”. A toda a humanidade!

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