A opinião de ...

O Carro de Bois

Sob a liderança do novo presidente, António Feijó, a Fundação Gulbenkian deu início ao processo de reflexão de que há de resultar o respetivo Plano de Atividades, para os próximos cinco anos.
Independentemente da sua particularização, o fim genérico e global das Fundações é o de encontrar resposta para as dificuldades enfrentadas pela a sociedade onde atuam. Das três maiores adversidades que, na atualidade, nos fustigam e ameaçam infernizar a vida quotidiana, a Guerra, as Alterações Climáticas e a Pandemia, apenas esta última dá sinais de retrocesso claro e efetivo mostrando que o seu combate foi eficaz e produtivo, levado a cabo através da investigação científica. Não sendo tão eficaz no combate às outras duas não é, porém, negligenciável. Se dúvidas houvesse (nem sempre as coisas foram tão claras e límpidas aos olhos dos decisores políticos), no dealbar do novo milénio, a ciência assume-se como uma das atividades humanas mais relevante, valiosa e decisiva.
É um trabalho árduo, intenso, dedicado e que, vivendo, é certo, da genialidade dos mais dotados, não dispensa a colaboração e coordenação entre todos os que dedicam a sua vida e empenham o seu saber na procura do conhecimento e no alargamento das suas fronteiras. É natural que, sem se sobrepor à habitual competição entre os vários grupos, haja uma partilha de resultados e uma participação coletiva e cooperativa em vários domínios. Sendo financiada, maioritariamente, por dinheiros públicos, geridos em instituições pertencentes ao Estado, há regras comuns, com base nos princípios da gestão pública, com as adaptações que a especificidade desta atividade requer.
A exceção são as duas maiores fundações privadas portuguesas com atividade direta nos domínios científicos, a Fundação Gulbenkian, no IGC e a Fundação Champalimaud, no CCR. Garantindo a observância das regras de acesso livre e igualitário, ditadas pelo financiamento público, seria natural acordarem em normas de gestão para as áreas em que estão excecionadas ou onde atuam com base nos fundos próprios. E, obviamente, que estabelecessem, entre si, formas de cooperação e de entendimento, sobretudo nas atividades de apoio, nomeadamente nas plataformas tecnológicas de suporte e desenvolvimento que a ambas beneficiassem. É disso que as respetivas administrações têm andado a conversar. É importante que o resultado, respeitando a justa pretensão de racionalização dos seus recursos próprios, seja equilibrado.
A este propósito, lembrei-me de uma lição do meu livro de leitura da 3.ª classe, intitulada “Os bois teimosos” em que o Jeirinhas, um rapazote de catorze anos, não conseguia fazer andar um carro de bois por os ter jungido nos lugares diferentes dos que estavam habituados. Mais do que essa a que ouvi, vezes sem conta, na minha aldeia, a propósito desta, uma outra de um lavrador que tinha apenas um burrico e, pretendendo usar um carro de madeira, pediu emprestado um macho possante pensando assim compensar o deficit de força motriz. Erro crasso! Mais valia ter procurado um animal igual ao seu. Devagarinho o carro andaria. Com a parelha desequilibrada o acrescento de potência não se traduzia em avanço eficaz. Como um era mais forte, o outro não lhe acompanhava o esforço e o carro em vez de seguir em frente, rodava, mas não avançava.

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3896

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