O ser e o parecer
Há um ditado popular, atribuído ao imperador romano Júlio César, que o povo utiliza muitas vezes. Diz o dito que “à mulher de César não basta ser séria, é preciso parecer”.
Quer isto dizer que, no campo da perceção com que o povo fica dos acontecimentos, não basta só ter uma atuação impoluta, é preciso que essa atuação impoluta dos atores públicos fique escancarada aos olhos de toda a gente. Porque de pouco serve uma atuação impoluta se o povo não tiver dela conhecimento.
Ora, todo o processo de pedido de autorização para a prospeção mineira na Serra da Nogueira parece tudo menos sério.
Por mais impoluta que seja a atuação da empresa que o requereu, a GMR (que não sei se foi), uma coisa é certa, não pareceu.
E, também diz o povo, se grasna como um pato, se anda como um pato, o mais provável é que seja um pato.
Da mesma forma que, se um processo parece tudo menos sério e transparente, para o povo, que só vê o rabo, é porque tem lá um gato escondido dentro.
Também acredito que parte da falta de trasparência do processo tenha sido acidental.
Muita gente, incluindo a comunicação social, deixou-se dormir em todo este processo.
Não fosse o olhar atento de algumas pessoas da comunidade alertarem para o que estava a acontecer, e o processo decorreria sem grandes sobressaltos.
Quando a voz popular se começou a fazer ouvir, a voz política viu-se obrigada a ir atrás (independentemente dos partidos, pois todos atuaram com a mesma bonomia).
Foi essa força da voz do povo, que se fez ouvir com mais veemência a cada dia que passava, que fez acordar a voz política, que se começa a ouvir agora.
Foi a voz do povo que levou as Câmaras a reagir, fora de tempo, mas a reagir de acordo com o sinal que recebiam das suas populações.
O mesmo aconteceu com as Juntas de Freguesia. É que, inicialmente, poucas, se alguma, estaria contra a prospeção.
Aliás, mesmo as posições unânimes contra este processo que se vão conhecendo são um pouco ao jeito da mulher de César, mas ao contrário. Têm como objetivo parecer em vez de ser.
Porque são vários os presidentes de junta que continuam a ser favoráveis a esta prospeção, apesar de já não o admitirem publicamente. O problema, dizem, está na exploração, não na prospeção. Esquecem-se que atrás de uma vem a outra e que, sem prospeção, não há exploração. Mas com prospeção, nada garante que não haja exploração.
O povo tem, assim, a confirmação de que, quando a sua voz se une, é ouvida bem alto e força a decisões.
Até agora, o que mais e tem ouvido são potenciais efeitos negativos sobre a prospeção, sobretudo nos impactos que daí decorrem para os cursos de água, vestígios arqueológicos, terreno, etc.
Já efeitos positivos, ainda não se viu ninguém a apontar nenhum.
Ora, sendo este um processo e um projeto tão impoluto, não haveria nada de positivo a apontar?
Afinal, o que é, parece?