Mirandela

Inquérito interno identifica “uma irregularidade sem consequência no contrato de trabalho da engenheira ambiental com a Câmara

Publicado por Fernando Pires em Qua, 2023-11-22 08:54

O Município de Mirandela deve corrigir a data que consta da assinatura do contrato de trabalho com a engenheira ambiental, que esteve em prisão preventiva e posteriormente veio a ser condenada, mas com a execução da pena suspensa, no âmbito de um processo de tráfico de droga que ficou conhecido como “semente em pó”.

É esta a principal conclusão do relatório do processo de inquérito interno que foi ordenado por despacho da presidente do Município de Mirandela, no dia 11 de outubro, alegando a necessidade de serem clarificadas as questões jurídicas levantadas numa reportagem emitida pela TVI, no dia 6 de outubro, sobre o processo de contratação desta trabalhadora da Câmara Municipal que deixou no ar a possibilidade de a autarquia estar perante um processo ilegal.

Num encontro de trabalho com jornalistas, que decorreu, na passada segunda-feira, após uma visita guiada a antiga estação da CP, agora requalificada, a autarca de Mirandela deu a conhecer as conclusões do inquérito, que apesar de identificar este reparo também considera que tal irregularidade “não teve consequências ao nível da execução do contrato, já que, depois de celebrado, o contrato ficou suspenso sem pagamento de qualquer remuneração à trabalhadora”.

Perante estas conclusões, Júlia Rodrigues, entende que os serviços da câmara “atuaram em conformidade com a Lei”, admitindo apenas “um erro processual”. Para a autarca, não ficam dúvidas de que existiu “uma manipulação” da informação por parte de quem fez a reportagem da TVI.

Independentemente das conclusões deste inquérito interno, o executivo liderado por Júlia Rodrigues enviou, no final de outubro, um requerimento a solicitar ao Ministério Público, a averiguação dos factos.

O TEOR DO RELATÓRIO

O processo de inquérito foi aberto ao Serviço de Recursos Humanos (RH) da Câmara Municipal de Mirandela (CMM)relativamente ao procedimento de contratação de Sandra Pinto após conclusão da repetição do procedimento concursal para Técnico Superior, na área de Eng.ª Ambiental.

Foi nomeada como inquiridora do processo de inquérito, uma Professora Adjunta a exercer funções na Escola Superior de Comunicação Administração e Turismo do Instituto Politécnico de Bragança.

Foram inquiridos a chefe de divisão da administração geral, a coordenadora técnica do serviço de RH, um técnico superior dos RH e ainda a jurista de apoio ao serviço de RH.

Este relatório adianta que o contrato em causa foi o resultado da retoma de um concurso que já tinha sido realizado em 2009, mas que o tribunal mandou repetir, em 2022, pelo que a engenheira ambiental “já exercia funções de técnica superior na autarquia e não entrou apenas após este procedimento concursal”.

Na prova de conhecimentos da repetição do concurso, realizada em abril do ano passado, “Sandra Pinto obteve 16,96 valores, enquanto o outro candidato teve 10,21 valores”. Entretanto, em junho, foi detida no âmbito da operação “Semente em Pó” e ficou a aguardar julgamento em prisão preventiva. Foi nessa condição de reclusa que realizou a prova de avaliação psicológica, em setembro de 2022, “mediante autorização prévia do Ministério Público”, ressalva o relatório.

Nessa prova, ambos os candidatos tiveram o resultado de 16 valores, ficando Sandra Pinto com um resultado final de 16,48, contra 13,11 valores do outro candidato à vaga.
Depois de conhecida a lista de ordenação final, foram celebrados os contratos de trabalho assinados pela Presidente da Câmara e publicados em Diário da República, em fevereiro deste ano, mas com efeitos a 3 de novembro, altura em que Sandra Pinto ainda estava em prisão preventiva.

Segundo refere o relatório, o Serviço de RH da CMM “notificou a candidata admitida para a assinatura do contrato de trabalho e solicitou à Diretora do Estabelecimento Prisional (EP) de Santa Cruz do Bispo, a indicação do dia e hora mais adequado entre 28 de novembro e 2 de dezembro de 2022 para que a candidata pudesse vir outorgar o contrato”.

A Diretora do EP “informou que a saída não seria possível, devido à greve decretada pelo Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional e por tal diligência não integrar os serviços mínimos”.

Segundo este relatório, foi solicitado, pela diretora do EP que o contrato lhe fosse remetido para assinatura. “O que veio a acontecer a 30 de novembro de 2022, na cadeia de Santa Cruz do Bispo e perante a Técnica que a acompanhava, a candidata Sandra Pinto assinou o contrato de trabalho em funções públicas, tendo a Diretora do EP procedido à sua devolução no dia 2 de dezembro” de 2022.

No dia 6 de dezembro, a Presidente da CMM “assinou o contrato no edifício do Município”, adianta o relatório, considerando que o Serviço de RH “teve uma atuação cautelosa e documentada, precedida de solicitações de parecer ao consultor jurídico externo e informação ao executivo municipal”.

Adianta ainda que a lei “não impõe que a assinatura seja presencial ou simultânea, desde que esteja, naturalmente, assegurada a legitimidade e livre vontade das partes”.

Perante a impossibilidade de dar início à prestação de trabalho, por se encontrar em prisão preventiva, o relatório diz que o executivo municipal “suspendeu, no dia 6 de dezembro de 2022, o referido contrato de trabalho, sem remuneração”.

Em agosto de 2023, no processo pelo qual se encontrava com medida de coação de prisão preventiva, a trabalhadora foi condenada em prisão efetiva, suspensa na sua execução, com mandado de libertação em 25 de agosto deste ano, “tendo-se apresentado ao trabalho no primeiro dia útil seguinte, para exercer a sua atividade no Município”.

Já no que diz respeito á denúncia das faltas ao trabalho durante o período em que a trabalhadora se encontrava em prisão preventiva, a inquiridora refere que “não é consensual na jurisprudência. Considerando o princípio da presunção de inocência plasmado no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa e a jurisprudência maioritária, não pode deixar de considerar como justificadas as faltas dadas durante o período em que a trabalhadora se encontrava em prisão preventiva e até à sua condenação, já que a mesma se encontrava a cumprir uma medida de coação judicialmente imposta, e que tal medida, pela sua natureza privativa de liberdade, a impossibilitava de prestar trabalho”.

Pelo que, a inquiridora conclui que “a irregularidade identificada no procedimento foi a da data de 3 de novembro constante do contrato de trabalho em funções públicas, similar à dos contratos celebrados com vários trabalhadores após a conclusão do procedimento de retoma do procedimento concursal e que deveria ter sido corrigida atendendo à dilação do processo de assinatura deste contrato em particular”.

Ainda assim, o relatório ressalva que tal irregularidade “não teve consequências ao nível da execução do contrato, já que, depois de celebrado, o contrato ficou suspenso sem pagamento de qualquer remuneração à trabalhadora”. Pelo que propõe “a retificação da data do contrato e da respetiva publicação em Diário da República”.

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