A opinião de ...

Lei Eleitoral Autárquica: uma revisão urgente

Há mais de 20 anos, fiz uma intervenção pública na qual defendi uma profunda alteração na lei eleitoral autárquica porque, volvidos tantos anos, era absolutamente imperioso dotá-la de mecanismos que assegurassem uma representação democrática e uma maior eficiência no funcionamento dos órgãos. A intervenção que fiz mantém-se actual porque, decorridos 20 anos, tudo está na mesma, apesar das insistentes promessas de revisão das leis eleitorais para uma maior credibilização dos sistema político.
Com efeito, as eleições autárquicas são, à semelhança das eleições nacionais, cada vez mais personalizadas na figura do líder candidato a presidente da Câmara Municipal, e tal circunstância transforma estas eleições na eleição, sobretudo e essencialmente, do presidente da Câmara.
Por tal facto, em vez de três boletins de voto que nos entregam para votar deverá passar a haver apenas dois, um para a Assembleia Municipal e outro para a Assembleia de freguesia, sendo os respectivos cabeças de lista os candidatos a Presidente da Câmara e a Presidente da Junta de Freguesia. Nesse quadro, o número um da lista mais votada é o Presidente da Câmara, que escolhe os vereadores em função do número de eleitores, sendo a actividade fiscalizadora da Câmara da competência natural da Assembleia Municipal, que é composta pelos directamente eleitos para o efeito. O mesmo acontecerá em relação às assembleias de freguesia. E isto porque não é democrático e provoca uma evidente iniquidade ter uma Assembleia Municipal em que quase metade dos seus membros não foram eleitos para esse órgão e nela tomam assento como membros de pleno direito. Tal situação gera distorções que contrariam a vontade democrática expressa nas urnas e, em particular, o princípio da proporcionalidade, tão caro à democracia representativa em que nos revemos.
Por seu lado, o Presidente da Câmara, eleito numa lista colectiva com os restantes vereadores, fica condicionado na escolha dos vereadores para a prossecução da estratégia e do seu programa político, a que acresce a componente mais bizarra de, num órgão executivo, existirem vereadores da oposição. Não faz o menor sentido que, num governo autárquico, haja opositores dentro do próprio elenco governativo, devendo tal função e mandato estar no âmbito da Assembleia Municipal, que pode e deve escolher/eleger uma comissão de acompanhamento da actividade municipal, e o Presidente da Câmara ter completa liberdade de escolha dos seus vereadores, incluindo a possibilidade de os substituir no decurso do mandato autárquico.
Na verdade, passamos a vida a dizer que somos uma democracia madura, com o que genericamente concordo, mas continuamos a ter quadros institucionais que não evoluíram com a maturidade democrática que foi sendo consolidada, ao longo destes quase 50 anos de poder autárquico democrático. Impõe-se, pois, que os partidos que têm, seguramente, nos seus grupos parlamentares, muitos deputados com carreiras autárquicas, tomem a iniciativa política de proceder a uma profunda revisão da lei eleitoral autárquica, para que, nas próximas eleições, possamos escolher democraticamente os nossos representantes e, simultaneamente, evitar entropias provocadas por quem “à boleia” foi eleito e a quem são automaticamente conferidos direitos desproporcionais ao seu “peso eleitoral”, inquinando o adequado funcionamento orgânico e ameaçando comprometer a eficiência de um órgão executivo, que deve ser absolutamente coeso para o garante da eficácia das suas políticas.
Em suma, é indispensável que a Assembleia Municipal seja um órgão que funcione com a função fiscalizadora que lhe compete, exclusivamente formado pelas pessoas que foram directamente eleitas para dele fazer parte e representarem os eleitores que as elegeram, sem prejuízo de os Presidentes de Junta poderem ter assento, mas, naturalmente, sem direito a voto, porque, de facto, não foram eleitos para esse órgão autárquico.
Da mesma forma, o órgão executivo do município responde perante a Assembleia Municipal, sendo o líder da lista mais votada o Presidente da Câmara, a quem competirá escolher os elementos que integram o governo municipal, com a liberdade de, durante o mandato, os poder demitir e substituir. Estes são os princípios de boa governança e que correspondem à essência das eleições autárquicas: eleger o Presidente da Câmara e os Presidentes de Junta de Freguesia.
As eleições autárquicas no concelho de Bragança foram marcadas por mudança profunda sufragada pelos eleitores brigantinos, ao escolherem para Presidente da Câmara a Professora Doutora Isabel Ferreira. A apoteose da vitória foi, no entanto, “manchada” pela atitude esdrúxula do recém-eleito vereador Nuno Moreno que, inusitadamente, decidiu escrever “por conta própria”, para divulgar à comunicação social, a justificação de algo injustificável. Naturalmente que, pelas reacções que tive oportunidade de observar, toda a gente revelou o mais profundo repúdio à atitude tomada pela pessoa que, acabada de ser eleita numa lista do PS, decide, ou porventura já teria decidido, o que ainda é mais grave, passar à condição de vereador independente, pervertendo aquilo que tinha sido a vontade popular expressa nas urnas. Não será necessário ir estudar filosofia e ética para se perceber que a única atitude digna que se esperava é: se não está de acordo, vai-se embora. Tal como bem refere um provérbio judaico “pior do que uma pessoa que se demite e vai embora é a pessoa que se demite e fica”. Como diz o povo, as atitudes ficam com quem as toma e, portanto, o dito cujo vereador terá de se acomodar com o sentimento de repúdio e indignação generalizado dos eleitores que votaram na lista que integrava e, certamente, de pouco servirá a azáfama em que tem andado para tentar justificar o injustificável. Aqui temos um bom exemplo que reforça a urgente necessidade da revisão da lei eleitoral autárquica.

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