CHARRUA VELHA (Contributo para uma pseudo teoria económica
Eu tenho um amigo fictício, a quem chamo António que serve na perfeição para ser personagem (quase) real das histórias que invento para melhor transmitir aos meus leitores algumas ideias e pensamentos. É o caso.
O meu amigo António contava, há alguns anos atrás, no seu pecúlio, para além da sua modesta conta bancária, uma casa na aldeia, herança de um tio solteirão e sem filhos, onde a somar a alguns pipos desconjuntados entre outros artefactos, tinha duas charruas velhas que é o que vem agora ao caso. Uma delas, ainda utilizável. A outra, já completamente enferrujada não tinha qualquer utilidade. Ostentava uma beleza própria e natural reconhecida pelos que apreciavam esta velharia (antiguidade, corrigiria ele, se eu lhe desse tal oportunidade). No inventário que acompanhou a tomada de posse da herança a mais nova estava valorizada em cem euros e a mais velha em vinte.
Num fim de semana em que o meu amigo veio jantar comigo a Lisboa, apareceu na aldeia um colecionador de coisas antigas que, sabendo do espólio, tentou negociar o que ali havia. Ao ver a desconjuntada alfaia, ofereceu cinquenta euros por ela. De acordo com os dados que tinha, a mulher do António entregou-lha e recebeu o dinheiro. Não disse nada ao marido.
Algum tempo depois apareceu outro negociante de velharias com intenção de comprar charruas antigas. Estando na aldeia, António foi-lhe mostrar a charrua mais nova. Disse-lhe o comprador que por uma mais velha (correspondendo na descrição à que tivera) e por ela daria cento e cinquenta euros. Não lha querendo vender quiz mostrar-lha e foi aí que soube o que Maria, sua mulher, já a tinha vendido. Ficou zangado, sobretudo, por saber o valor por que tinha sido transacionada.
Maria, procurando desagravar-se, perante o marido, procurou nas redondezas e encontrou numa aldeia vizinha, exemplar idêntico, quiçá, em melhor estado, disponível, por cem euros. Ficou satisfeito o António, pegou em duas notas de cinquenta e foi comprá-la. Colocou-a em lugar de destaque e corrigiu o seu inventário. Para além de todo o restante pecúlio tinha, em charruas, o equivalente a duzentos e cinquenta euros. E sabia-se, modestamente, mais rico.
Pragmático, Joaquim, um amigo comum, garante que ele está mais pobre. Antes tinha duas charruas. Uma velha e outra mais velha. Tal como agora. Só que para recuperar a situação que tinha, recebeu cinquenta e pagou cem euros. Cinquenta a menos, portanto.
Nada disso, garante o António. É certo que o saldo de caixa é negativo em cinquenta euros mas o património subiu cento e trinta. Em vez de perda, teve um ganho de oitenta.
Eu estou dividido. O transmontano que há em mim, tende a concordar com o Joaquim. O espírito romântico que alimento e cultivo há anos só me permite uma opção: identificação total com o António.
Reconhecendo os factos carreados pelo Joaquim, não há dúvida que, racionalmente, o António TEM TODA A RAZÃO.