A opinião de ...

“A quem iremos?”

1. É muito estranho, para não dizer de outro modo, que um qualquer de nós, homens, que faz a experiência vital de “se reconhecer” como «eu», (isto é, como pessoa humana), e além disso faz a experiência vital de se relacionar com outros «eus» (outras pessoas humanas, que reconhece como “Tus”), recuse reconhecer, ou chegue mesmo a negar, um «Eu» divino, um “Tu” divino. Isto só se pode compreender a partir de um postulado que rejeitasse a necessidade da sua fundamentação, o qual negasse categoricamente a existência do que se não “vê” corporalmente, através dos cinco sentidos “Quod non est in sensu, non est in mundo”.
 
2. De acordo com a bela explicação do Padre Jean-Yves Leloup [“L’enracinement et l’ouverture”], «o que é que os crentes querem significar quando dizem que Deus é Pessoa? Querem dizer que a presença infinita que informa o universo, e que nos habita, não é qualquer coisa de abstracto; não é uma causa primeira de que nós seríamos o efeito mais ou menos necessário; mas sim um Ser amante de que nós somos o fruto desejado, querido e amado. “Pessoa” — diz S. Tomás de Aquino — quer dizer “relação”. Dizer que Deus é Pessoa quer dizer que nós estamos em relação com Ele…». Quer dizer que Deus é um “Tu”.
 
3. Muitíssimo menos credível, porque menos racional, é a hipótese — mera hipótese científica, note-se —, de uma original explosão de energia, o “big Bang”, sem que essa energia tenha qualquer natureza ou origem pessoal; da qual energia resulte a criação de pessoas. Porque é que há-de estar primeiro a energia que explode, da qual depois nascem pessoas? E não primeiro a pessoa, ou as pessoas, da(s) qual(is] depois explode a energia, de que nascem novas pessoas? Porque é que há-de ter sido primeiro uma inconsciência? E só depois uma auto-consciência? Não é muito mais racional que (no princípio) tenha sido uma auto-consciência, de que depois, da sua energia, evoluem outras plurais auto-consciências? É mais difícil acreditar que a origem das «auto-consciências» seja uma «inconsciência».
 
4. O homem, como pessoa, como auto-consciência, gosta instintivamente de “estar consigo”, gosta de “si mesmo” — quando, e porque, se goza prazeirosamente a si próprio, às coisas e aos outros. E para isso exprime-se em relações que são ambivalentes, de posse e de desprendimento, de amor e de ódio, de predação e de doação, de convívio amoroso e de guerra-de-morte. Isso é da nossa experiência.
 
5. Porém, a racionalidade do homem leva-o a descobrir e a viver uma outra face da sua condição existencial — que em vez de ser gozosa é dolorosa. Esta condição dolorosa e trágica pode-se exprimir nos chamados “quatro inevitáveis”, que são: o sofrimento, o absurdo, a solidão e a morte.
[1] O homem conhece o sofrimento, físico e psíquico, e não o pode evitar nem explicar. [2] O homem também não consegue explicar a razão da vida e do mundo. [3] O homem não evita a morte nem o mistério do desconhecido para além dela. [4] Finalmente, em toda esta sua condição  pessoal, cada um está sempre só, por mais amizades que lhe façam companhia.
Assim, o homem vive entre a sua aspiração vital à felicidade (que tenteia por acções contrárias de amor ódio), e a sua incompletude: perante os quatro inevitáveis, ninguém humanamente o pode salvar, nem ele a si próprio.
 
 
6. Resta-lhe apenas uma bruxuleante luzinha: o testemunho vivo, e digno de atenção, de outros homens concretos, que dizem se salvaram da sua angústia e solidão; e os mais exaltantes de todos são, sem sombra de dúvida, os testemunhos de felicidade dos santos. Eles dizem que encontraram a paz da vitória do amor sobre o ódio; e que também encontraram as certezas contra os inevitáveis!… Podemos acreditar ou não; e voltamos a estar sós, perante este testemunho.
 
7. Mas de entre todos esses concretos testemunhos históricos que conhecemos, sobressai o testemunho de um homem extraordinário, pelo que disse e pelo que fez, que de si mesmo disse conhecer o Ser Primeiro, a Auto-Consciência primordial e fontal: o homem Jesus Cristo. Aliás, é sobre o testemunho deste homem que assentam os testemunhos dos outros homens históricos. Mais uma vez, podemos acreditar, ou não; e, nesta resposta, cada um continua a estar só.
 
8. Mas, se não acreditar, não poderá reprimir, no mais profundo de si mesmo, a voz incansada do seu “bang” íntimo e pessoal, que explode contínua e irreprimivelmente na procura do “encontro” que tudo ilumine e tudo plenifique. E exclamará, tal como sucedeu a S. Pedro: mas, se não é este, então “a quem irei?” 

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