“Compensa investir no setor do azeite”
Aproveitando a presença de Pedro Queirós, Diretor-Geral da Federação das Indústrias Portuguesas Agroalimentares, num evento do Instituto Politécnico de Bragança, o Mensageiro aproveitou para uma conversa mais aprofundada sobre o setor agroalimentar e as tendências do futuro.
Mensageiro de Bragança: Tendo em conta que estão cada vez mais presentes as alterações climáticas, o que é que podemos perspetivar para o futuro?
Pedro Queirós: As alterações climáticas, hoje, não podem ser vistas continente a continente, nem país a país, muito menos. Tendo em conta que vivemos num comércio global, em particular de matérias-primas agrícolas, temos que ter a consciência que as alterações climáticas têm que ser tratadas numa perspetiva global. Pequenos impactos locais podem realmente transformar-se em impactos globais. Porquê? Porque há muitas matérias-primas que são comercializadas entre países e, portanto, o que está a acontecer é um fenómeno quase de protecionismo, portanto, por um lado temos as alterações climáticas, há impacto nas produções, muitas vezes redução de produção, produção com menos qualidade, e os países acabam por fechar essas matérias-primas dentro do seu próprio território, portanto, não exportar. Como depois há países que são muito dependentes dessas matérias-primas e muitos deles são países em alto risco de insegurança alimentar, acabamos por ter um problema global em que realmente a fome pode vir a ser acelerada, embora ela, neste momento, esteja com alguma estabilização, a fome mundial pode vir a ser acelerada por este maior protecionismo que os países fazem, porque ao mesmo tempo as alterações climáticas têm um impacto negativo nas suas produções agrícolas.
MB.: Que tipo de produtos é que têm tido o maior impacto?
PQ.: Dei o exemplo do milho, dei o exemplo do arroz e dei o exemplo da soja. Como sabemos, são três ‘commodities’ [bens] que são fundamentais. O arroz, por exemplo, é a base alimentar ainda de uma grande parte da população mundial. A soja, por exemplo, tem um impacto muito importante na alimentação animal, na pecuária. E o milho tem o papel que tem a vários níveis na nossa alimentação. Há outro tipo de matérias-primas, podia dar o exemplo do café ou do açúcar, mas, realmente, do ponto de vista da base fundamental da nossa alimentação, estas três matérias-primas são matérias que são comercializadas em rotas comerciais mundiais e que já se nota que alguns abastecimentos começam a entrar em níveis de elevado risco, ou seja, corremos o risco de populações frágeis e empobrecidas, que dependem, por exemplo, do arroz para a sua alimentação, possa começar a haver uma escassez de arroz, o que naturalmente vai provocar aumentos de preços e, provavelmente, pode provocar conflitos sociais complicados.
MB.: Um dos produtos que tem tido algumas variações de preço é o azeite. Aqui na região também há muitos produtores de azeite. Podemos esperar uma grande oscilação do preço do azeite brevemente?
PQ.: Não, o azeite teve efetivamente um pico muito grande, que teve muito a ver também com questões de produção, de oferta e de procura. Aquilo que perspetivamos é que o azeite possa ter atingido um nível de relativa estabilização. Mas lá está, nós estamos sempre a falar de fatores muito imprevisíveis.
Muitas vezes basta um impacto climático anormal para, eventualmente, essa perturbação voltar a existir. Podemos ter épocas boas e o preço até baixar, porque há excesso de oferta, como de repente podemos ter fenómenos imprevisíveis que nos façam diminuir a oferta e, portanto, aumentar o preço.
A nossa previsão, neste momento, é que o azeite possa ter atingido algum patamar de estabilidade. Mas, como digo, sem poder afirmar isto com toda a certeza, porque há a imprevisibilidade de uma cultura agrícola.
Aliás o fenómeno que aconteceu com o azeite é fácil de acontecer com outros produtos, porque entrou-se exatamente no que eu dizia: neste momento não vivemos num comércio fechado, vivemos num comércio aberto, e, portanto, basta muitas vezes uma má produção anual num país, para depois, se for um país até com maior poder de compra, rapidamente procurar absorver a produção de outros países, e isso é perfeitamente legítimo, financeiramente até compensa mais. Obviamente que se da produção global de uma determinada matéria-prima há uma redução, o que é que vai acontecer? Vai haver inevitavelmente um aumento de preço, porque aqueles que mais podem vão procurar capturar essa matéria-prima.
MB.: Portanto, o azeite continua a ser um bem no qual ainda compensa investir?
PQ.: Eu acho que sim. Aliás, o azeite, para além do produto que é, o azeite tem um valor gastronómico, tem valor cultural e tem valor económico. Portanto, na minha opinião, eu acho que o azeite tem um potencial, em termos de investimento, muito grande. E até acho que o azeite deve ter um investimento do lado da investigação para melhorar ainda mais a qualidade e otimizar as nossas produções, mantendo naturalmente a qualidade intrínseca daquilo que sabemos fazer tão bem. Eu acho que nós em Portugal fazemos o melhor azeite do mundo e portanto acho que deve haver uma aposta forte não só das empresas, mas também da área da investigação.
“Acho que seria bastante interessante intensificar o investimento da castanha”
MB.: Nesta altura do ano também é muito forte aqui no Nordeste Transmontano a produção de castanha. Somos os principais produtores nacionais, nomeadamente os concelhos de Bragança e Vinhais. Perspetiva alguma evolução no mercado da castanha? É um produto em que Portugal aposta muito pouco na transformação. O grande valor da castanha fica lá fora, sobretudo em Itália e em França. Portugal devia investir mais nesta fileira?
PQ.: Curiosamente, discutíamos exatamente isso ao almoço, a questão da castanha. Eu acho que é um produto que nutricionalmente é bastante interessante. Portanto, numa época em que se discute cada vez mais o valor nutricional dos alimentos e a procura por alternativas que sejam nutricionalmente adequadas às necessidades dos consumidores, acho que seria bastante interessante intensificar o investimento da castanha. A verdade é que a castanha em Portugal acaba por estar muito limitada quase aos festejos de São Martinho e pouco mais. Hoje em dia a gastronomia já recorre também bastante à castanha. O setor tem inovado. Aliás, por exemplo, a castanha congelada é vendida com um valor acrescentado bastante grande lá para fora. Portanto, eu diria que sim, que provavelmente Portugal devia olhar mais para a castanha. Isto provavelmente poderia ser muito alavancado pela sua introdução na parte mais gastronómica.
Hoje em dia um dos caminhos interessantes que há para incentivar mais as pessoas a consumir é apresentar-lhes receitas e soluções que usem a castanha. Acho que é dos produtos que pode ter maior margem de progressão em termos do mercado nacional. Agora, é um produto que nós temos que, efetivamente, procurar acrescentar-lhe valor, porque, obviamente, os produtores têm que ganhar dinheiro. E se têm um mercado externo que paga bastante melhor do que o mercado nacional, nós vamos continuar a produzir boa castanha e a vendê-la lá para fora. Obviamente que isto é interessante para os produtores, mas, se calhar, se o mercado nacional a valoriza mais, nós até podemos aumentar a produção e continuar a alimentar o mercado externo, com valor acrescentado, perfeitamente legítimo, mas também disseminar mais a castanha em Portugal.
MB.: Em que outros produtos é que Portugal poderia ou deveria apostar em termos agrícolas, tendo em conta o seu valor de mercado e aquilo que se perspetiva para o futuro?
(Entrevista completa disponível para assinantes ou na edição impressa)
