A opinião de ...

A Economia V – A feira de ano

Dias antes já se pensava na feira de ano. Quase sempre implicava uma romaria, e por isso tinha uma atenção própria e uma logística mais complicada. Eram quase sempre nos centros urbanos maiores, ou mais raramente em locais marcados pela Santa da Romaria. Não há muita diferença entre estas Romarias com feira e outras já faladas. A dimensão do conjunto é certamente maior. A feira de gado, que muitas vezes havia, era também mais ampla, como a feira geral. O seu conjunto implicava uma festa polivalente. O fogo de artifício estava sempre ligado à festa religiosa. Se havia comboio perto, era tudo mais fácil.
Já falámos de feiras, festas e Romarias. O que mais me encantava, já ganapo meio crescido, era o almoço. Por causa da chuva cheguei a almoçar numa corriça, devidamente higienizada, retirando o estrume. A simplicidade do tempo não voltamos a tê-la. Nem o ecossistema daquele salão.
Os almoços mais apreciados passei-os na feira dos Gorazes, pelos meados de Outubro.
Quatro bidons em quadrado, com um dos vértices aberto. A ligar os bidons, quatro tábuas bem fortes, ainda manchadas de cimento e, em cima delas o tradicional oleado, já com mais ou menos marcas da base dos copos de vinho tinto, já seco. Por fora destas tábuas, outras, mais abaixo, apoiadas em pipotes, como apoio das tábuas de assento. Reuniam-se aqui convivas desconhecidos, aguilhadas no chão, sentados em quadrado, com a cozinha no meio. Esta constava simplesmente de uma fogueira de lenha grossa, cercada pelos potes de 3 pés, em que as brasas se iam afastando do centro, puxadas para as grelhas. Grandes, enormes. Os tições em brasa iam-se aproximando ou distanciando conforme eram precisas mais brasas, calculadas em função da fila de espera. O chefe de sala era o patrão, dentro do quadrado, que ia gritando aos chegantes, por cima do vozear, se estavam para almoçar. Por cima da cozinha e dos lugares sentados, uma lona alta, suspensa em estacas e atada por cordas, abanava mais ou menos segundo o vento que fazia. A chuva, o vento, o pó e o sal eram os temperos.
Duas ou três mulheres, afogueadas pelo calor, esforçavam-se por assar postas, costeletas, costelas, linguiças, salpicões e outros mais quase objectivos de vida. Qual peixe!
Do outro lado da fogueira estavam os alguidares com água e sabão para lavar pratos, talheres e copos. Era melhor não olhar.
Mais à frente da fogueira uma mesa tentava aguentar-se em pé, com pão cortado, travessas, jarros de vinho, carne, linguiças, alheiras, facas, alguidares…. perdi-me na conta. No chão sagrado da tenda, sacos de pão sobre a terra. Ao lado destes, alguidares com vinha de alhos e, dentro, tudo quanto havia de melhor. Naquela região toda a gente sabe que não havia moscas.
Sentar já era difícil, com cotovelos nos rins de ambos os lados, e tentavam sempre fazer caber mais um. Aparecia o prato, os copos e os talheres, molhados; no oleado, o pão e uma jarra de vinho. Nem era preciso perguntar mais, caía a posta no prato. Para serviço à lista, era preciso pedir.
Eu não cheguei a ir à feira, mas estava forte.

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