A opinião de ...

A Sociedade IX. A vida na Aldeia – A canalha ou ganapada a)

Era assim que se designava o grupo de crianças, até lá para os 10 ou 12 anos. Não tinha nada de pejorativo, como hoje.
E se o ambiente geral era de pobreza, a canalha não fugia à regra, como as suas brincadeiras. Tinham uma enorme imaginação para arranjar entretenimento variado, onde a bola, como hoje, tinha lugar de destaque. Nas horas em que não havia hortas ou outros afazeres, corria tudo para a eira ou para o adro, onde a terra fosse mais plana. Passávamos horas naquilo. Alguns iam saindo, outros entrando. Entravam dois de 9 anos para um lado e um de 12 para o outro, para contrabalançar. Não havia número fixo ou hora de acabar.
O pião era talvez o mais popular. Tinham uma classificação simples, que já não recordo. O mais perigoso era o pião de lança, que se chamava assim pela ponta, de ferro maciço, muito para além do simples prego dos outros. Bem utilizado, chegava a partir os piões dos outros. A baraça era o fio que se usava para enrolar e lançar. Eram quase sempre feitas em casa com fios de origem diversa e que dava algum trabalho a fazer, pois era preciso entrançar diversos fios para lhe dar resistência. Enrolavam-se horrivelmente.
O triângulo era jogado sobretudo nos meses húmidos, pois a terra tinha de estar mole. Cada um tinha um prego com que fazia um triângulo no chão até ficar um número de triângulos lado a lado igual ao número de jogadores, em geral não mais que três. Tínhamos de atirar o prego ao chão, de modo a ficar espetado, e logo fazíamos um traço em linha recta, entre um ângulo e o local do prego. Isto era repetido até o prego não ficar espetado no chão, e aí passava a vez a outro. O objectivo era circundar os triângulos, fazendo os riscos passar tangentes aos mesmos, sem haver cruzamento de linhas rectas, de modo a cercar repetidamente os adversários, que tinham de sair do cerco, sem intercepção das outras linhas, passando os estreitos que se lhes iam criando.
Os triângulos finais tinham de sair do cerco, sem cruzar linhas: o prego tinha de ser atirado, ficar espetado e a recta entre o triângulo e a passagem não podia cruzar qualquer outra linha. Dava muita discussão.
O aro era bem mais dinâmico: tratava-se somente de empurrar um aro, fosse um pneu de bicicleta, ou uma jante, com um instrumento de ponta curva a 90 graus e logo encurvada, que se adaptava à forma do aro. Corria-se a empurrar o aro, sem que caísse. Era necessário saber dar as curvas e não era tão fácil como parece. Alguns faziam “arabescos”
Para os maiores de 10 ou 12, para além da omnipresente bola, inicia-se a malha ou fito, que era também entretenimento de adultos. A bicicleta, para treinar, era só acessível aos mais velhos, que tivessem meios para a adquirir. Com os meus seis ou sete anos, muitas vezes me sentaram no quadro de uma bicicleta, para fazer peso, para treinar. Correr na volta era um sonho de muitos.
Jogo do triângulo:

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