A opinião de ...

A Sociedade XII – A Arquitectura Social

Na vertente social, as coisas eram muito mais caseiras. Era frequente que a gente nova nunca tivesse saído do concelho antes dos 20 anos de idade e da área do distrito antes dos 30 ou 40 anos. Depois de 1961, com a guerra, as coisas mudaram, ia-se para a tropa e algumas vezes ficava-se por lá, para o melhor ou o pior.
A vida girava à volta dos temas locais e ocasionalmente da vila. Os homens juntavam-se na taberna, quase sem excepção e jogava-se às cartas, por entre um copo. Também aqui se discutiam os mesmos assuntos da adega, que em grande parte giravam à volta da agricultura. Combinavam-se as tornas de trabalho para as diferentes safras ao longo do ano.
As mulheres frequentavam outros fóruns, muitas vezes durante o dia, entre os afazeres, sentadas no tronco mais virado ao sol, nos meses frios, ou à sombra nos demais. E falavam provavelmente do mesmo que hoje, com menos horizontes e sem rede móvel. As limpezas e arranjos da Igreja e a sempre cristianização dos maridos, quase sempre mais arredios destas tarefas e vivências. Apesar de tudo estes, nos dias de festa, lá estavam com os trajos vermelhos, segurando o andor e os apoios, para descanso durante as paragens. Suportavam também o pálio, o adereço que cobre o pároco, o santíssimo, e a cruz.
As ligações por casamento eram com muita frequência entre termos vizinhos ou não muito distantes, dadas as dificuldades de transportes, que dificultavam contactos sociais mais longínquos. O termo, era a expressão usada para a freguesia e os terrenos a ela pertencentes, por outras palavras, a área da freguesia, incluindo terrenos de cultura dos proprietários aí residentes. Normalmente, nas aldeias, como em todas as terras pequenas ou isoladas, havia um grau de parentesco elevado.
Muitas raparigas, com menos opções, optavam por “ir a servir” ou seja migravam para as cidades, quase sempre como empregadas domésticas internas ou, mais raramente, para um emprego que alguém conhecido lhe arranjasse.
A baixa escolaridade, sobretudo da geração acima dos 30 anos, fazia do pároco, ou de alguma família mais considerada localmente, o conselheiro de muitas situações e eram muitas vezes estes quem faziam contactos fora para empregos. Família e amigos destes, estavam entre os destinos de muitas destas jovens. Pelos anos sessenta já a França era um destino popular, quase sempre chamados pelos que já lá estavam.
Tudo se passava naquele pequeno mundo e só a rádio, onde chegava, trazia notícias de fora.
Recordo ainda as carpideiras, que arrepiavam a alma aos mais pequenos.
A rádio e a TV, mais tarde, traziam já notícias de fora, mas eram poucos os que a tinham. A rádio era muito mais antiga, mas a televisão começou pelas casas com mais posses, muito poucas, e pelos cafés e tabernas.
A sociedade rural aldeã vivia ao ritmo das colheitas, das estações do ano e das festividades religiosas, que se revestiam de um interesse genuíno e extraordinário.
Por mais diferentes que venham a ser os seus empregos, por mais que vivam, nunca, mas nunca, estas pessoas hão-de esquecer “o barulho de uma couve a crescer”.

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