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Abril: O Que a Democracia Não Apagou

Uli Hoeness, ex - presidente do conselho de administração do FC Bayern de Munique e antiga glória do clube bávaro na década de 70, foi condenado, no passado mês de Março, a três anos e meio de prisão efectiva, por ter ocultado ao fisco o considerável valor monetário de 27 milhões de euros. Lida a sentença, e instado a pronunciar-se sobre a sua conduta, afirma: “Lamento o que fiz. Estou a fazer tudo o que posso para deixar este capítulo da minha vida para trás”.
Independentemente dos advogados de defesa de Hoeness recorrerem ou não da sentença, será ínfima a possibilidade da mesma ter um desfecho contrário à decisão da primeira instância. Uma convicção que assenta na ideia de que a sociedade alemã – muito na linha do que se passa nos países nórdicos – não tolera nem aceita a corrupção, seja a que nível for, ao ponto de, quem por ela for tentado, carregar sobre os ombros um estigma que o perseguirá ad aeternum.
Neste nosso país com 40 anos de Democracia, em circunstâncias idênticas, quer envolvam políticos, banqueiros ou gente do mundo do futebol, seria impensável que, perante a prova substancial do crime, alguém se assumisse como culpado e demonstrasse arrependimento cristão. Como sempre acontece, os envolvidos refutam os factos que lhe são imputados, porque “inocentes”, com base na “teoria da cabala” e, no caso dos eleitos democraticamente, da comovente estratégia do “assassinato político”.
O povo, mesmo convicto de que há uma justiça para ricos e poderosos e outra para o cidadão comum, e, como tal, consciente de que o Principio da Igualdade, vertido no artigo 13.º da Constituição da Republica Portuguesa, não tem expressão quotidiana, não se aplica, é extraordinariamente compreensivo e tolerante para muitos malabaristas encartados deste reino. Uma complacência que, em relação à classe política, num conformismo irremediável, justifica e actualiza: “Encheu os bolsos, mas deixou obra feita”.
Por muito que a Democracia se tenha revelado, para um grande número de cidadãos deste país, uma tremenda desilusão, ou porque o sonho ficou aquém das expectativas, ou porque o regime que vigora há quatro décadas não conseguiu ainda apagar da memória o que de pior existia no Tempo da Outra Senhora, a verdade é que o 25 de Abril representa o momento histórico que nos permite ter a noção da diferença abismal entre o antes e o agora.
Pois, por muitos defeitos que possamos apontar ao actual regime, o certo é que foi ele, com a intervenção de diferentes actores e ideologias, o responsável pela garantia do Estado Social, pela melhoria das condições de vida dos portugueses, pelo desenvolvimento do país, pelo acesso a todos os cidadãos, independentemente da origem e condição, ao Serviço Nacional de Saúde, pelo fim da mortalidade infantil, por uma Escola para todos e por tanto mais.
Para concluir, retomando o assunto em apreço, diria que, não importa o regime vigente, seja neste ao naquele país, o fenómeno da corrupção é tanto mais difícil de erradicar e combater quanto maior for a caução moral dada por nós, gente anónima, aos vendilhões do Templo.
Porque Abril só se cumprirá, quando cada um de nós fizer a sua parte.
 

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