Senso e bom gosto
Escrevo no dia de Santo António, o patrono de Lisboa, a luminosa e bonita cidade onde resido. O marido foi festejar o Santo, comer umas sardinhas, beber um copito e confraternizar com os amigos. E eu…aqui estou, em frente do computador, pronta a cumprir o dever (Ai que prazer/ não cumprir um dever, não é Fernando Pessoa?), olhando para a página em branco sem saber ainda sobre que assunto escrever: sobre as inconstitucionalidades do governo e o não recebimento da última parte do empréstimo da Troica? Sobre o despedimento coletivo na Controlinveste (mais de cem jornalistas e outros trabalhadores) e a propriedade de vários órgãos de Comunicação Social nas mãos de estrangeiros? Sobre o resultado das eleições europeias e a disputa da liderança do PS? Por razões compreensíveis, opto pelo último tópico.
A interpretação dos resultados eleitorais já fez correr muita tinta. A coligação governamental teve uma derrota histórica. É um facto que nada pode apagar. Ninguém tem dúvidas de que os portugueses estão fartos deste (des)governo. Mas é preciso reconhecer que à derrota histórica da direita não correspondeu uma vitória histórica do PS. Pelo contrário, não obstante estas eleições se terem realizado após três anos de austeridade inútil e de muito sofrimento para os portugueses em geral. Contexto mais desfavorável ao governo do que o de 2004, em que o PS obteve 44% dos votos, contra 33% da coligação “Força Portugal”. Nessa altura, era Secretário-geral do PS Eduardo Ferro Rodrigues e Durão Barroso, o Primeiro-ministro (PM), e não havia programa de ajustamento nem Troica, nem desemprego, défice orçamental, nem perda do poder de compra como agora.
Correspondendo à vontade dos portugueses, António Costa – reconhecido até pelos seus adversários como o melhor quadro político do nosso tempo (por isso mesmo todos o receiam) – manifestou-se disponível para disputar a liderança do PS e governar o país. Pediu à atual direção socialista a convocação de um congresso extraordinário e eleições diretas. Em vez de aceitar o repto, António José Seguro tenta ganhar tempo. Primeiro, enredou-se em questões processuais, refugiando-se nos Estatutos para evitar o confronto interno. Depois, numa espécie de fuga para a frente e esquecendo-se de que essa proposta fora por ele recusada no último congresso, lançou a ideia de realização de primárias para a escolha do candidato do PS a PM. Independentemente da bondade do modelo, não é fácil de aplicar em pouco tempo. E o tempo urge. O país precisa, mais do que nunca, de um PS forte, que apresente uma alternativa ganhadora e um líder mobilizador.
Os congressos extraordinários, tal como a designação indica, estão previstos para situações extraordinárias. É inegável que a disponibilidade de um dirigente como António Costa criou uma situação excecional que só pode ser resolvida dando a palavra aos militantes. E é óbvio que adiar a decisão é prejudicial para o PS e para o país. Quanto mais se arrastar o atual estado de coisas, pior, mais desgastante será o processo e mais sequelas vai deixar. O problema não é estatutário, é político. O PS não é um partido conformado. O PS sempre esteve à altura das suas responsabilidades e, estou certa, também desta vez vai estar. No PS ninguém pode ter medo do debate de ideias. No PS ninguém pode ter medo do veredito dos militantes. O debate de ideias não enfraquece os partidos, pelo contrário, reforça-os. Recordo que, depois da disputa interna entre José Sócrates, Manuel Alegre e João Soares, o PS conquistou a sua primeira e única maioria absoluta em eleições legislativas. Sem dramatismos e com serenidade, vamos promover o debate e travá-lo com elevação. É isso que os portugueses esperam. E que haja bom senso e bom gosto.