A opinião de ...

Negócios com ética

Desde que começou a guerra na Ucrânia, uma das consequências mais visíveis no resto do mundo - e Portugal não foi exceção - foi o aumento do preço dos combustíveis.
Nos últimos dias, pulularam as notícias sobre os resultados de empresas petrolíferas. Com tanta dificuldade anunciada na aquisição de matéria prima (crude), era de esperar que essa dificuldade ficasse patente nesses mesmos resultados.
Ora, a Galp, antiga petrolífera estatal, anunciou que os lucros disparam 496% no primeiro trimestre, para 155 milhões de euros.
De acordo com a notícia do Público, isso é quase seis vezes o valor apurado no primeiro trimestre de 2021, reflectindo a escalada do preço do petróleo que se intensificou com a guerra na Ucrânia e o aumento da produção na empresa.
Ainda assim, o resultado ficou abaixo das expectativas de analistas.
No último trimestre do ano passado, em que a subida dos preços já se fazia sentir de forma consistente, a Galp registou um lucro de 130 milhões de euros.
Os 155 milhões dos três primeiros meses do ano comparam com um lucro de 26 milhões de euros no arranque de 2021, em que o país viveu um rigoroso confinamento por causa do agravamento da situação pandémica depois do Natal de 2020. A diferença é de 496%.
Já a BP, gigante da energia com sede em Londres, divulgou, nesta terça-feira, ter atingido o maior lucro numa década. A empresa defendeu que os lucros foram de 6,2 mil milhões de dólares no primeiro trimestre de 2022, mais do dobro do que foi registado no mesmo período do ano anterior.
A BP atribuiu os resultados ao aumento dos preços do petróleo e do gás natural, bem como ao desempenho “excecional” na compra e venda desses combustíveis.
Por cá, sucessivamente, quando é anunciada uma descida do preço dos combustíveis ao consumidor, a previsão esbarra sempre com a realidade. As descidas ficam sempre abaixo do previsto inicialmente.
Insatisfeito, o primeiro-ministro já aconselhou os portugueses a estarem atentos à fatura do abastecimento de combustível "de modo a garantir que o desconto é mesmo aplicado".
Já em 2006, o então Papa, Bento XVI, disse, numa audiência com empresários católicos, que "não basta levar a justiça ao mundo, mas é-lhes exigido que levem o amor essencial ao homem, o qual é maior que a própria justiça".
Também o Papa Francisco, em janeiro deste ano, denunciou que “os sistemas económico e financeiro em vigor muitas vezes não estão em consonância com os princípios evangélicos de justiça social e caridade”.
Alertas que nos deviam fazer pensar na sociedade que temos e na sociedade que queremos.
Esta semana, em conversa com um amigo, gestor e antigo administrador, falávamos das dificuldades que a Europa hoje sente por se ter colocado na mão na Rússia em termos de dependência energética.
Em Portugal, a liberalização do preço dos combustíveis, antes controlados pelo Estado, abriu a porta aos abusos. E a lição foi tal mal aprendida que o Estado abdicou de setores estratégicos, como a gestão aeroportuária, produção elétrica ou as redes elétricas. E ainda não foi a água porque não calhou.
Passados anos dessas decisões, o balanço tem sido claramente positivo... para as empresas privadas. E claramente negativo para o bolso dos consumidores. Estará na altura de repensar a ética que temos nos negócios e a falta dela.

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