A opinião de ...

Portagens na autoestrada

 
Aquando do início da construção da autoestrada que há-de ligar a capital do norte à fronteira com Espanha, opinei aqui em desfavor da dita, então a considerando como via propícia (mais uma) para a desertificação crescente da nossa província. Em entendimento meu, ela serviria bem mais os interesses de quem pretendia aproximar-se do litoral do que para o fluxo em sentido inverso. Continuo a perguntar-me de que nos serve uma autoestrada, a não ser para que chegue até nós mais cómoda e rapidamente aquilo que não temos (e temos tão pouco) e para que, do mesmo modo, nos abandonem, deixando-nos para trás e cada vez mais sós, aqueles que connosco poderiam continuar. Não dispondo de estruturas que produzam ou transformem, de nada aproveitamos com uma via adequada para o escoamento do nada que produzimos ou transformamos. Unicamente vamos formando matéria intelectual que atravessa as nossas boas escolas, e essa, sim, na ausência daquelas citadas estruturas onde possam disponibilizar o seu saber, facilmente sentem o apelo do litoral, beneficiando do trilho rápido para as suas deslocações. Muitos deles partirão para não mais voltarem, fazendo vida profissional e pessoal nos locais de destino, que adoptarão. Outros voltarão, de tempos a tempos, todavia e sempre de forma fugidia. Lamentaremos aqueles que partirem sem regresso, mas sem futuro, sem encontrarem o pote das moedas no extremo do arco-íris que um dia os iludiu. Quando João César das Neves, quase um quarto de século atrás, me afirmava que iríamos dispor de licenciados no mercado que jamais encontrariam colocação nas suas vidas, fiquei atónito, descrente. Constato hoje a força da sua razão e a visão própria do que, então, seria o futuro. O sem futuro, ou não futuro, para muitos.
Defendo o princípio do utilizador pagador. Só que, no caso vertente, muitos irão contribuir de forma pesada para o pagamento das portagens da autoestrada nortenha em apreço, sem, porém, jamais a utilizarem, mas enquanto consumidores finais do que outros lhes proporcionarem para consumirem. Aqueles que trazem, e trarão, os seus produtos e os seus serviços até ao interior para o interior consumir reflectirão, inexoravelmente, nos respectivos custos os preços a pagar e que haverão de suportar, impostos pelas entidades encarregadas das cobranças das portagens. É a força da lei própria do comércio a impor-se, sector onde prevalece o princípio de que ninguém dá nada a ninguém.
Paulatinamente, ou nem tanto, foram-nos privando, ou despejando, de bens de que dispúnhamos e considerados de necessidade primeira, o primeiro dos quais e o mais precioso a assistência na doença, em concreto em sede hospitalar.
Ora, aqueles que, idosos já, ainda se deslocam, mais ou menos frequentemente, aos torrões natais em busca de sossego e de prazer merecidos, mais do que por necessidade, após uma vida inteira de trabalho em burgos maiores, com meios de assistência minguados e peso maior dos anos, perderão, necessariamente, disposição e vontade para o fazerem. Porque os respectivos bolsos, já leves que baste, mais leves ficarão de cada vez que pensem regressar às suas origens e o façam. E sem que lhes seja oferecida via alternativa de jeito, com uma autoestrada construída sobre um itinerário principal desaparecido.
Escrevo segundo a ortografia antiga.
 

Edição
3485

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