Os “ricos” que não pagam as dívidas e o Registo Central do Beneficiário Efetivo
Confesso a minha indignação perante o despudor e a falta de carácter e de consciência cívica destes arautos de poderes, que roçam o truque mafioso e que com uma arrogância indescritível dizem que não pagam porque eles, pessoalmente, não devem nada.
Que eu saiba, as empresas não têm boca, nem ouvidos, não raciocinam, apesar de, sob o ponto de vista jurídico, serem pessoas de direito. Por isso, quando alguma empresa faz qualquer coisa é alguém, de carne e osso, que em seu nome vinculou a empresa que dirige, tornando-se solidariamente vinculado. É do domínio generalizado que sociedades de advogados montam esquemas complexos de organização de estruturas empresariais com o objetivo de esconder a figura do titular do seu capital. E se isso foi possível durante muitos anos, com a aprovação da Lei 15/2017 passou a ser obrigatório proceder à conversão das ações ao portador em nominativas, identificando o seu titular e com a aprovação da Lei 89/2017 passou a ser obrigatório fazer o Registo Central do Beneficiário Efetivo de todas as participações societárias.
E é por isso que, para mim, enquanto cidadão que passa metade do ano a trabalhar para pagar impostos ao Estado, é absolutamente inconcebível que pessoas como Joe Berardo, Luís Filipe Vieira, Ricardo Salgado, Pereira Coutinho, Moniz da Maia, Vaz Guedes, Joaquim Oliveira, Manuel Fino, Nuno Vasconcelos, entre outros figurões, possam impunemente continuar a fazer vida de ricos à custa dos nossos impostos e numa atávica e indesculpável inação da justiça e dos poderes públicos, incumbidos de fiscalizar os atos ilícitos com forte e muito perniciosa repercussão pública. A teoria de que as leis são implacáveis com os fracos e impotentes com os fortes parece fazer sentido quando um homem que não pagou três litros de gasolina e outro que roubou um queijo num supermercado foram condenados a pena de prisão e estes energúmenos, que roubam a torto e a direito para se pavonearem como grandes figuras do empresariado português, continuam à solta a gozar com quem paga impostos e com quem ganha o salário médio, ou menos. E também não compreendo como a Autoridade Tributária, tão ágil com cabeleireiras, cafetarias, pastelarias e outros pequenos negócios deixa à vontade esta rapaziada sem saber e procurar saber o rasto do dinheiro que não foi devolvido aos credores e que continua a alimentar as suas megalomanias e o fausto que tanto gostam de ostentar. O Registo Central do Beneficiário Efetivo não pode ser uma mera burocracia para aumentar os problemas dos milhares de empresas que se veem em dificuldades para cumprir com as suas obrigações e, pelo contrário, não ser um instrumento efetivo, que leve até ao fim da linha a identificação do verdadeiro titular do capital para que pague o que deve e cumpra com as suas obrigações. Porque toda essa gentalha, que continua a usar o dinheiro que não lhe pertence tem de ser identificada como titular do início da cascata das empresas que servem de instrumento para tornar opacas as operações e negócios que realizam. Eu não tenho grandes dúvidas que esses ricos de fantasia, se pagarem o que devem, muito provavelmente terão de ser encaminhados para o rendimento mínimo, porque existe a convicção profunda de que os seus ativos são muito inferiores aos seus passivos. Mas isso é problema deles. O que eu não posso aceitar é que o Estado de direito, em nome do primado da lei e do seu cumprimento por parte de todos os cidadãos, não intervenha com diligência e zelo para condenar severamente as burlas feitas por essa gente, a bem da defesa da democracia e do respeito pelas instituições e da ingente necessidade de higienizar o ambiente putrefacto que hoje se respira. E, se isso não for feito, ninguém pode pedir que se respeite e acredite no funcionamento das instituições e que não se abra a porta ao aparecimento dos tais populismos que trazem soluções simples para problemas complicados. Mas não deixem que o povo se farte, ainda