A opinião de ...

Manuel Sardenha Poeta, Padre e Republicano (I

Terá sido por meados do decénio de 90 do século passado que me encontrei com ele; melhor dito, que dei com o nome dele. Foi isso ao mergulhar num pequeno jornal literário, publicado em Coimbra, com o subtítulo “Microcosmos literário”, pitorescamente batizado pelo seu diretor, João Penha, de A Folha. Ali publicou Guerra Junqueiro, com 18 anos acabados de fazer, uma extensa composição poética, em cinco partes, com o título O livro de um doido (Excerto). Foi, de resto, a primeira composição que publicou em A Folha e a única em que usou pseudónimo (Vasco Hermínio). Importará dizer apenas que o anónimo herói do poema pregava “a bela ideia, a liberdade ao povo”, mas “ninguém compreendeu o apostolado novo”. Por isso, “O mundo é que o matou, por ser honesto e nobre, / Que o mundo não consente orgulho a quem é pobre”. O poema é, a vários níveis, interessante e qualquer citação é redutora. Ainda assim, para tentar chegar onde quero: “Ó loucos, pretendeis cingir o verbo eterno / Nas débeis dimensões do entendimento humano, / O mundo ameaçais com as visões do inferno, / Imaginais um Deus com raios de Vulcano!”
Aqui se iluminam as primícias do anticlericalismo junqueiriano e a imputação a “um Deus com raios de Vulcano”, a quem, depois, há de chamar Jeová. E mais adiante: “Padres! Eu já não sei o que este nome seja! / São homens de sotaina e crânios tonsurados, / Que descem do bordel pra ir gritar à igreja, / Que a troco de metal nos livram dos pecados!” Pouco tempo volvido, um tal Manuel Sardenha publica o poema “Credo”, dedicando-o elogiosamente “Ao autor d’‘O livro de um doido’”. Em quatro partes, proclamava a “nova lei”, compreendia o horror causado pelos “maus ministros de Jesus” e, sem poupar o Vaticano, acreditava que do Calvário surgiria “o sopro da justiça, – o verbo humanitário!”.
Quem era aquele poeta anticlerical que assinava Manuel Sardenha?
Sampaio Bruno escreveu que, “colaborando, com assiduidade e talento, nas páginas da Folha de Coimbra”, o nome de Manuel Sardenha “adquiriu destaque próprio entre a plêiade brilhante da que então era a nova geração literária, e que despontava com excecional brilho e raro vigor”. Após esse período, refere-lhe os versos “sempre inspirados por um fervoroso entusiasmo pela liberdade, alumiados sempre da claridade inefável do critério da justiça”. Integrando-o na “velha guarda do republicanismo português”, Bruno chega a declarar que “a fidelidade política deste solitário meditativo comove, como um exemplo perdido e uma inaproveitada lição”.
Por 1870, A Revolução de Setembro reputava Manuel Sardenha de “verdadeiro poeta”, “robusto, honesto e entusiástico talento”. Antero de Quental, de quem, aliás, Sardenha foi tradutor, apreciava-lhe os “belos versos” e correspondeu-se com ele tratando-o por “correligionário”. De quem se tratava? Outros se interrogavam também, designadamente Ana Maria Almeida Martins, organizadora dos dois preciosos volumes das “Cartas” de Antero, que declarava: “Resultaram infrutíferas todas as tentativas para conseguir referências a este poeta a quem Antero chamava correligionário, e que publicava poemas na Folha, de Coimbra, dirigida por João Penha, alguns deles datados de Miranda do Douro.”
Sem proveito o busquei por dicionários e enciclopédias, interroguei mestres, investigadores e curiosos, etc. (Continua)

* (Universidade Católica Portuguesa, Escola das Artes)

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3836

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