Férias
As férias são dominantes. Toda a gente tem e deve ter férias, como aliás impõe a Constituição: «Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito a (…) férias periódicas pagas» (artigo 59º 1. d).
O efeito socioeconómico desta instituição é enorme. A nossa comunidade seria muito diferente se não existissem férias. Os impactos na vida pessoal e familiar são evidentes, mas também os seus efeitos comunitários e nacionais. Múltiplas actividades dedicam-se exclusivamente a povoar o tempo de lazer. Além do vasto sector do turismo, cuja importância é sempre referida, todos os produtos de divertimento, animação cultural, espectáculo e desporto, entre outros, têm forte ligação às férias. Elas constituem mesmo o ganha-pão de largos extractos da população.
Isto gera resultados muito significativos. Como as férias se tendem a concentrar no tempo, certas cidades e regiões ficam desertas em alguns meses, enquanto outras crescem a ponto de se tornarem irreconhecíveis. Se a isto juntarmos todas as viagens e movimentações nas festas e feriados, vemos como o território hoje sofre fortes flutuações humanas, directamente relacionada com esta actividade.
A ideia de férias é hoje tão influente que se torna difícil compreender como o conceito é recente. Durante milénios a humanidade ignorou a existência de tal possibilidade e há poucas décadas largas camadas da população portuguesa nem sequer sabiam o que eram férias.
O ser humano sempre precisou de descanso. Aliás a natureza consagrou isso nos organismos, forçando todos os animais a dormir quotidianamente várias horas. A Revelação divina acrescentou a esse ritmo diário o descanso semanal e supra-anual. As instituições do sábado, depois passado para domingo, e do ano sabático, de sete em sete anos, são as formas como a lei de Deus estatuiu o repouso. Apesar disso, um mês de paragem em cada doze era coisa desconhecida. Claro que, em culturas eminentemente agrícolas, a actividade variava ao longo do ano conforme as estações da natureza, mas isso não gerava nada de semelhante ao nosso conceito de férias.
Não vale a pena falar das óbvias vantagens das férias, que a tornaram um fenómeno tão dominante. Mas é bom precaver alguns defeitos, que tendem a ser esquecidos.
Nas férias não está em causa fundamentalmente o descanso corporal, que é tratado nos repousos diário e semanal. A questão é antes psicológica. Num tempo em que domina o trabalho intelectual, para mais vivido sob grande tensão emocional, as férias pretendem sobretudo recuperar o ânimo para um novo ano de esforço. Mas recuperar a mente não é fácil.
Se o sono diário e o fim-de-semana têm ocupação natural, a paragem mensal, para ser realmente proveitosa, deve ser preparada e planeada. Sem verdadeira elevação espiritual, pode acontecer que no fim das férias se esteja mais cansado do antes. Nunca se esqueça o aviso bíblico: «a ociosidade ensina muita malícia» (Sir 33, 28).