A opinião de ...

Passos perdidos crónica do futuro

Dia 25 de Fevereiro, a centenária  livraria Ferin era pequena para acolher as dezenas de transmontanos que se juntaram a vários escritores ilustres para assistirem, por antecipação, à contemporânea queda de um anjo. É-lhes apresentado José Luciano de Castro em atualíssimo discurso de 150 anos pela voz autorizada e eloquente de Ernesto José Rodrigues. O referido discurso subirá no próximo dia 9 de Abril à tribuna parlamentar da Assembleia da República a ser lido por João Felix Filostrato em inédita intervenção, depois de quarenta anos de apagada carreira parlamentar. A sua queda acontecerá logo depois como forma de exposição das várias fraquezas e fragilidades da vida política portuguesa.
O romance Passos Perdidos do nordestino Ernesto Rodrigues mergulha nos meandros político-partidários pela visão poliédrica de jovens protagonistas envolvidos em atividade suspeita que apenas por ser direta e exoplícita se afasta da realidade: um banco de investimento quer vender um projeto-lei a um deputado.
À volta deste objetivo linear desenrola-se uma trama de acontecimentos vários de índole diversa e complexa. Não espere o leitor uma narrativa linear e explícita. Essa pode ser a visão do historiador. O autor é romancista e interessam-lhe mais as visões dos vários intervenientes, mesmo que desfocadas, irreais ou totalmente enganadoras, como salientou. Resulta dai uma narrativa caleidoscópia. As propositadas confusões de nomes das gémeas Nádia e Nídia e dos tríplices homónimos João Félix envolvem-nos numa teia de sentimentos onde se defrontam interesses vários e factos diversos. Ressaltam inequivocamente realidades que escapando aos inconseguimentos, dos sagrados softpower da política caseira, se perfilam perante o leitor obrigando-o a olhá-las de frente.
A primeira é a frágil estrutura do quarto poder (a comunicação social) facilmente manipulável pela sua enorme apetência pelo espetáculo efêmero em detrimento da realidade por trás da aparência mediática. Não esquece a falta de estadistas nos partidos (em todos, de forma geral mas sobretudo no PNCNP - Partido Nem Carne Nem Peixe), lamento ouvido de viva voz na Rua Nova do Almada. Ressalta, de entre outras, uma proposta de elevado potencial a merecer conveniente e séria reflexão: substituir as dezenas de deputados borboleta que lançam beijos como causas fraturantes que se limitam ao “quem me dera”, em estado permanente de quase quase a intervir, por uma mão-cheia de deputados, realmente interventores ostentando em cartaz visível o número de votos que representam sem esquecer o nome do escritório de advogados que concebeu e redigiu cada uma das leis em “discussão”. Ganhava o erário púbico e, sobretudo, a transparência da causa pública. O ambiente parlamentar poderia ser preservado com recurso a aplausos, apupos, apoios e apartes pré-gravados.

Refira-se, para finalizar, que a ação decorre à volta da semana da paixão tirando partido da ignorância de quem só pensa em números, sobre a condição de feriado da sexta-feira-santa, aproveitando para nos deixar mais uma alegoria de Cristo a morrer por nós entre dois ladrões perdoando a dívida ao mais inteligente, optando o outro pela falência fraudulenta.

Já depois de concluída esta crónica fui sabedor da amarga notícia da morte de Amadeu Ferreira. Não sendo competente para escrever sobre este enorme vulto da cultura mirandesa, nordestina e portuguesa,  não posso deixar de assinalar, a profunda tristeza, que a partida precoce deste bom amigo, causou em todos os que o conheciam e admiravam.

Edição
3514

Assinaturas MDB