Moralidade, simplesmente
1. Todos sabemos muito bem o que é «moralidade» — se bem que, como dizia o outro, na condição de não nos pedirem para darmos uma definição. Mas é quanto basta, se com aquele simples conhecimento tivermos boa intenção e boa vontade. O problema está mais aqui, na intenção e na boa vontade, do que ali, no conhecimento. Já desde há dois mil anos que os antigos padres e teólogos da Igreja — aliás nisso não rompendo com os grandes filósofos da Antiguidade Grega e Latina — afirmaram que o homem possui um sentido inato para conhecer o bem e a beleza, embora também possua uma inclinação ao egoísmo e ao mal. Talvez seja isto mesmo que, essencialmente, logo no começo da descrição do mundo a partir da queda de Adão e Eva, a Bíblia nos ensina com os exemplos dos dois irmãos, Caim e Abel: o mau irmão e o bom irmão.
2. Nos nossos dias, a questão da moralidade levanta reservas a muita gente, que aparentemente não gosta de «doutrinações» sobre moral. Cada um pensa e faz o que quer — nada de moralidades. Ou então gosta, mas só quando a moralidade é apropriada por si ou pelos seus: a minha moralidade, a nossa moralidade — o que, diga-se desde já, constitui uma imoralidade, visto que, por definição, a moral é uma ciência de fins e de comportamentos que valem e se impõem igualmente para todos.
3. Por exemplo, a chamada «moralidade republicana», tem muito boa fama. Até o Presidente Cavaco Silva a referiu recentemente para — supõe-se — elogiar a ética na vida civil e política. Mas outras moralidades já não são bem vistas. Como se a ética republicana fosse melhor do que a velha ética católica; ou do que a ética monárquica; ou do que a ética dos «founding fathers» americanos; etc., etc.
A ética é a parte da filosofia (e também da teologia: teologia moral) que trata dos valores e desvalores no nosso comportamento pessoal e social. Mas fins e valores que, repita-se, se impõem a todos igualmente, e não são inventados nem pertencidos exclusivamente por alguns, como por hipótese os chamados «republicanos».
4. Andamos ultimamente muito libertos de quaisquer moralidades. Veja-se, por exemplo, o ambiente vulgar nas nossas escolas públicas, onde reina uma indisciplina de que os próprios professores são vítimas e se queixam. Ou o exemplo da moral da sexualidade e do casamento, bem como dos negócios e da política. Mas, de vez em quando, a questão da moralidade (que é a observância prática da moral) surge como irrecusável. Os dramáticos acontecimentos financeiros e políticos, que parece andar aliados, sobretudo nos últimos anos no nosso país, voltam agora à actualidade dos jornais. Com grande escândalo público. Ou serão apenas erros políticos e técnicos? Não terão na sua origem pelo menos uma pitadinha de desprezo ou de imprudência pela moralidade?
5. Não há ninguém que possa considerar-se como um modelo de moralidade sem falhas. Nem os republicanos; nem os católicos; nem cada um de nós — e isto se diz a começar por nós próprios. Mas uma coisa é ser pecador, e arrependido, outra coisa é não respeitar e desejar a virtude, nem se arrepender. O menos que devemos tributar à virtude é o seu culto. Impõe-se voltar continuamente a dar mais respeito cultural e político à moralidade: pessoal, social, económica, financeira, laboral, política. Se não aceitamos a moral, que implica aceitar uma finalidade válida para a comunidade e que a todos igualmente impõe valores, então restará apenas o reinado do que cada um quiser para si. Que é a guerra. Fria ou quente.
6. Para esta hipótese, recorde-se a sabedoria milenar do povo: «ou há moralidade, ou comem todos…». Ou… ou… O que preferimos?