A opinião de ...

Direito para todos Democracia e tolerância

 “não faz parte dos costumes romanos condenar um homem antes de o acusado ter perante si os seus acusadores e sem que lhe seja dada a liberdade de se defender
O filósofo e escritor françês Francois Marie Arouet - (1649 – 1778) - que usou o pseudonimo de Voltaire, (no Tratado sobre a Tolerância, - capítulo VIII – Os romanos eram tolerantes) - escreveu que S. Paulo (Paulo de Tarso, judeu convertido ao cristianismo - 5 -67) - foi preso pelos judeus acusado por ter profanado um templo judaico onde entrara na companhia de pagãos; apresentado ao juíz, os judeus exigiam que lhe fosse aplicada a pena de morte; o juíz, interessado em fazer justiça, recusou iniciar o julgamento sem que os acusadores enfrentassem o acusado e que este se defendesse. Assim, o juiz tomou a decisão prudente - (audi alteram partem) - não cedeu perante o fanatismo de um grupo religioso sedento de sangue e salvou a vida do São Paulo. Aqui, triunfou a Justiça.
Cerca de dezoito séculos mais tarde, em França, na cidade de Toulouse (1.762), aconteceu uma grande tragédia familiar: um jóvem suicidou-se e o seu pai (protestante) foi injustamente acusado de matar o filho por ódio ao catolicismo a que se havia convertido. Não existiam provas da prática do crime, mas o poder judicial foi negligente na procura da verdade e, indo pelo caminho mais fácil, cedeu perante o fanatismo popular e o pai do jovem foi condenado à morte e execuado. Mais tarde, depois de uma rigorosa investigação, provou-se a inocência daquele pai, uma pessoa considerada boa e tolerante em relação à orientação religiosa do filho. Infelizmente, já nada havia a fazer. Aqui, falhou a Justiça.
Estes acontecimentos de França levaram Voltaire a escrever o Tratado sobre a Tolerância. Conforme se lê neste tratado, na antiga Grécia, “havia uma espécie de direito de hospitalidade entre os deuses como entre os homens; se um estrangeiro chegava a um país, começava por adorar os deuses desse país e nunca se deixava de adorar mesmo os deuses dos inimigos”. Além da liberdade religiosa de cada cidadão havia o respeito pela religião de cada país.
Na antiga Roma e no início do cristianismo, “não se via um único homem perseguido pelos seus sentimentos”, ou seja, pelas suas ideias ou religião como até havia locais próprios para os estrangeiros poderem adorar os seus deuses. Roma foi um exemplo de liberdade de pensamento e ninguém era perseguido por causa das suas ideias. “Cícero duvidadava de tudo e Lucrécio negava tudo, mas ninguém por isso lhes fazia o mais pequeno reparo”. Segundo Voltaire, os cristãos eram perseguidos pelos judeus e não pelos romanos; passados séculos, quando os cristãos se tornaram na maioria da população depressa se inverteu o rumo das perseguições. A Inquisição fica para a história como a maior instituição oficial da intolerância religiosa de perseguição e condenação à morte na fogueira de judeus e de outras pessoas por heresia, práticas de bruxaria, absurdos contratos com o diabo, ou coisas tão simples como barrer o lixo da casa para dentro e não na direcção da porta da entrada. E, no campo da política, “dizer mal do rei” era o caminho certo da fogueira. Lá diz o povo, “graças a Deus muitas e graças com Deus poucas”.
Voltaire nas Cortes de França, perante os próprios adversários políticos ousa não enfrentá-los, mas defendê-los da seguinte forma. “posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até à morte o direito de você a dizê-las”. Aqui principiava uma nova prática de respeito pelas ideias de cada cidadão, um dos pilares da democracia que germinou por toda a Europa com a Revolução Francesa. A tolerância passou a fazer parte da convivência democrática. Como o conflito resultante do confronto de ideias entre os homens sempre existiu, também (segundo Voltaire) a exigência da tolerância, como um direito natural da paz social, faz parte de um feixe de direitos que todo o homem reconhece em qualquer sociedade e em qualquer parte do mundo como sendo parte da própria condição humana.
Estamos em tempo de campanha eleitoral para as nossas autarquias; cada cidadão tem direito à palavra que no final se traduz na liberdade do seu voto; sejamos tolerantes com a liberdade de cada cidadão. Os candidatos dos diversos partidos à nossa Câmara expuseram as suas ideias num programa de televião. Independentemente da mensagem que cada um transmitiu, prevaleceu o diálogo democrático e tolerante que mantiveram na sua apresentaçao aos cidadãos do nosso concelho

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