A opinião de ...

Jornalismo de Guerra (a propósito da invasão da Ucrânia)

Primeiro: não sou jornalista; somente um cronista de assuntos de que detenho algum conhecimento. Mérito terei se a tanto me confinar. No entanto, ferem-se-me os ouvidos e os olhos ao ler e ouvir e ver relatos da guerra em que alguns jornalistas pretendem, sem qualquer disfarce, fazer história à sua maneira, ou à maneira de quem os manda para o terreno. Ora, o jornalismo de guerra assume as mesmas caraterísticas de qualquer outra forma de jornalismo, acrescidas de riscos físicos que os jornalistas / correspondentes no terreno correm. Mário Mesquita, grande jornalista e professor, tem imensas páginas sobre jornalismo, como as que estão vazadas na sua obra Cidadania e Jornalismo, onde procura incessantemente a verdade e a defesa de valores exigidas pelo código deontológico dos jornalistas.
Segundo: vem esta nota a propósito do jornalismo que se faz num grave momento da História recente: a invasão da Ucrânia. Profissionais de vários países deslocam-se para esta região de conflito, construindo, com perigo de vida, porque se aproximam muito, às vezes demasiado, do que se passa “naquele momento” para produzirem obras escritas, televisionadas ou gravadas. Representa coragem da parte desses verdadeiros repórteres de guerra.
Terceiro: ora, é também exigida ética aos jornalistas que acompanham este momento histórico num país invadido. Trata-se de cobrir jornalisticamente fatos, não de fazer história, mas de fazer notícia, de descrever o que se passa sem lançar juízos de valor, sem recorrer a manipulações. De forma algo sarcástica, Ricardo Araújo Pereira fez no seu programa Isto é gozar com quem trabalha uma crítica dura, aparentemente leve, a um certo jornalismo que se faz à custa de manipulação, meias-verdades, distorção, quando não de invenções. É desejável que qualquer repórter não seja ator, mas antes nos faça chegar a sua informação, tão importante para o público, de modo equilibrado e ajustado ao que observa. Há, igualmente, por vezes, a tentação de manter uma prática já usada anteriormente em palcos de guerra, uns mais antigos, outros mais recentes, naquele caso, a Guerra Civil de Espanha, a II Guerra Mundial, a Guerra da Crimeia, e recentemente na Guerra do Iraque e Síria. Na verdade, há fatos que, sendo transmitidos a partir da ‘frente’, são aceites pelo público menos atento, sem crítica, o que acaba por ser informação não fidedigna e confiável, mas capaz de lançar o pânico.
Quarto: perde um jornalista o sentido do dever e responsabilidade de pertença a uma tão nobre profissão, se introduzir na sua reportagem, escrita ou falada para as câmaras, um tom mais amargo, mais sofrido? Foi o que se viu na jornalista Cândida Pinto numa das reportagens por si feitas recentemente. Do meu ponto de vista, não.
Quinto: uma palavra dirigida a alguns comentadores sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia – sabemos quais – pois tudo sabem, e que palpitam sem pejo. Desejável seria que houvesse serenidade e sentido ético, exigido pelo público e, sobretudo, por quem sofre, por quem tem de enfrentar tantos e dramáticos martírios.

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3877

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