O CARVALHO EM TRÊS VERTENTES
I
O “Borda-d’água” é mais velho do que a Sé de Braga. Traz o essencial da agricultura, da meteorologia, do estado dos solos, da época do plantio, calendário acoplado às fases e consequências da Lua, nascentes, fontes, o nascer e o pôr do Sol, quadras que o povo agrícola verbaliza, eu sei lá! Os nossos queridos agricultores, principalmente os analfabetos, tiram quase todo o sumo destas folhinhas preciosas, sem precisar de o ler, obviamente. Palavra puxa enxada, pastor traz as novas porque anda pelo termo de olhos arregalados para as ovelhas e para os campos e há sempre os que não podem trabalhar mas podendo andar, andam a toda a hora a visitar, embora não seja para comprar, antes para avaliar. Arregalam-se com o desenvolvimento das árvores, as de fruto, as que deixam roubar casca e as que se destinam às queimas das lareiras (dizem que a melhor lenha para queimar é a de freixo que arde dentro de água, e que a de carvalho também arde bem e não pincha muita cinza), a mobiliário (as serrações até se pelam e as nossas casas talvez menos antigas brilham como o carvalho), a receber as melhores cubas do mundo (Olá Palaçoulo-Miranda do Douro – homenagem ao Tio Zé Maria que Deus levou há tempos para outra dimensão).
II
Nos finais dos anos setenta, andava eu no Liceu Nacional de Bragança a passear os “books”, recebia primorosas aulas de inglês do saudosíssimo Dr. Eduardo Carvalho que tinha um coração de oiro e fortes convicções políticas. O saber e a cultura, aliados a um respeito de chapéu com abas pretas, davam o poder de, sem problema algum, esbofetear os dedos compridos e finos nos alunos mal-educados. Fumava exclusivamente na sala dos Professores e fora da escola e dos olhares sorrateiros dos rapazes, pois na altura as raparigas nem sequer pegavam num cigarrito. Curiosamente, alguns anos mais tarde, fomos colegas no mesmo estabelecimento de ensino. O Dr. Eduardo Carvalho ajudou muito a minha crua e verdura nas artes de Professor. Tinha um bom coração, era muito inteligente e culto e elogiava e incentivava sobremaneira os bons alunos. Dizia-me que eu tinha um sotaque de inglês muito respeitável.
III
Retomando a árvore (que entre nós também é conhecida por carvalho – cerquinho) e que, às vezes, até pode “elevar-se” acima de vinte metros, fica nua (sem folhas) no Outono e no Inverno. Na Primavera (Abril-Maio - o rebentar da folha), volta a vestir-se e aguarda, serenamente, o fruto tão apetecido pelos suínos pretos alentejanos. E, então, lá para Setembro, caem as bolotas para lautos jantares dos “recos” tão afamados. Mas não se pense que só os porquinhos devoram as bolotas; há muitos outros animais que no Inverno se deliciam… E o povo sabedor também tira proveito deste alimento, manufacturando-o para fins culinários, muito do agrado dos comensais e dos “CHEFES” detentores de estrelas “MICHELAN”.
O carvalho dá excelente madeira utilizada na construção civil, para aquecimento e lenha de carvão. Os bugalhos já foram muito utilizados na indústria de curtumes e para fins medicinais. Esta árvore reveste-se de uma enorme importância porque é completa. O carvalho não dá cortiça porque os sobreiros são donos das rolhas e de cada vez mais artigos, como pode comprar-se e comprovar-se na feira de artesanato, que tem acontecido todos os anos no Jardim António José de Almeida, no coração fresco de Bragança.