Diocese de Bragança-Miranda - Entrevista com D. Nuno Almeida

“Tenho o desejo de conhecer as pessoas, as famílias, as comunidades”

Publicado por António G. Rodrigues em Qui, 2023-06-22 14:44

O bispo eleito de Bragança-Miranda, D. Nuno Almeida, concedeu ao Mensageiro de Bragança a primeira grande entrevista desde que o Vaticano anunciou a sua escolha para pastorear o rebanho de fiéis da diocese do Nordeste Transmontano.
Mensageiro de Bragança: Como recebeu a notícia da nomeação para a diocese de Bragança-Miranda?
D. Nuno Almeida:
O convite do Papa Francisco, através do Sr. Núncio, chegou numa hora em que eu não esperava de todo, porque foi num fim de tarde de domingo, depois de um dia de visita pastoral. O Sr. Núncio acabou por ser muito claro e direto no convite para a diocese de Bragança-Miranda. Nesse aspeto foi algo que veio de surpresa. Não era possível dar uma resposta imediata.
Mas, no dia seguinte, a pouco e pouco, interiormente, crescia em mim esta confiança para dizer sim com consciência de que era uma missão que o próprio Jesus Cristo me pedia, através da Igreja, que implicava também algum discernimento tendo em conta as exigências que hoje se colocam à missão de um bispo numa diocese. Precisei de olhar, também, para aquilo que sou, com as minhas limitações e com a experiência acumulada em Braga.
Diante de Jesus Cristo disse sim, com aquela serenidade que eu acredito que vem da Graça de Deus e não apenas da confiança nas capacidades humanas.
Entretanto já se passaram algumas semanas e continuo a sentir essa serenidade e essa luz interior, bem como a expectativa da entrada em ordem a caminhar com as pessoas, com as famílias, com as comunidades e instituições da diocese de Bragança Miranda, onde tanta gente louva o Senhor e procura pôr em prática o Evangelho. Caminhar com tantas pessoas de boa vontade de quem, em breve, procurarei aproximar-me.

MB.: D. Nuno Almeida é natural de uma diocese do interior (Viseu), como esta. Já passou por estes fenómenos como o despovoamento e o esquecimento do interior. Isso dá-lhe alguma experiência ao fazê-lo como um de nós, do interior?
DNA.:
Venho da diocese de Viseu e a minha vida pastoral já conta com quase 35 anos. Uma parte significativa desta experiência foi precisamente no interior e no interior do interior, porque comecei pela zona de Vale de Cambra, na periferia da diocese de Viseu, e quando fui para Braga estava em Fornos de Algodres, no distrito da Guarda e diocese de Viseu. Aí sim uma zona onde se sentia a partida de tanta gente para terras de emigração. Porque devia servir pastoralmente um arciprestado, era preciso conciliar as distâncias e, até, algum despovoamento, com a proximidade. É um exercício desafiante obrigando até ao uso dos meios de comunicação que temos. Mas o que nos dá mais alegria é a presença e participação nos momentos significativos da vida das pessoas, das famílias e das comunidades. Partilhamos, assim, a alegria do Evangelho.
É possível sentirmos que caminhamos lado a lado, mesmo não podendo estar fisicamente sempre em todas as paróquias. Por exemplo, em Fornos de Algodres fazíamos uma pequena folha semanal, a que chamávamos “Ao domingo…”, que era essencial para haver comunhão. Sem comunicação não estamos em comunhão e não fazemos a experiência de sermos povo peregrino de filhos de Deus, irmãos e cidadãos.
Quando procuramos caminhar juntos, em unidade, em comunhão, não estamos sós, sentimos que o Senhor é nosso companheiro, é nosso conterrâneo e nosso contemporâneo. A Sua presença no meio de nós é sempre desafiante, pois Ele envia-nos o Espírito Santo. E temos este desafio aqui, na diocese de Bragança-Miranda. Não podemos ter medo das distâncias físicas, procurando sempre estar próximos na partilha, na amizade. É necessário comunicarmos não só as coisas felizes, dando visibilidade às coisas belas, mas também estarmos presentes, o mais possível, nos momentos difíceis. Há circunstâncias em que não podemos estar ausentes, como bispos, como sacerdotes, como pastores.
Vivemos tempos sinodais. À medida que temos caminhado juntos, damos conta que este é um sínodo profético. É esta a Igreja que vemos presentes nos atos dos Apóstolos, que está na Lumen Gentium e em todos os documentos do Concílio. O Vaticano II não estão lá atrás, mas à nossa frente a atrair-nos e a desafiar-nos.
A sinodalidade põe em destaque o caminhar juntos, em grupo, em família. Mas não podemos esquecer o acompanhamento de cada pessoa. Hoje isso é necessário, que cada um se sinta individualmente acolhido, desafiado a dar passos. Sempre que pessoas ou famílias desejarem, de parte do bispo ou de quem é responsável na Igreja, que haja essa disponibilidade para o acompanhamento pastoral, espiritual, pessoa a pessoa.

MB.: No seu caso, como recebeu o chamamento da Igreja?
DNA.:
Tive a sorte de, logo na escola primária, no terceiro e quarto ano, termos uma presença constante dos Missionários Combonianos. Havia vários missionários da nossa zona e tinham por hábito passarem pela escola. O facto de eles nos contarem essa vida missionária fez com que tivesse sempre este desejo e esta intenção de os seguir e imitar.
Mais tarde, em Viseu, enquanto estávamos a iniciar a igreja de Nossa Senhora do Viso, trabalhámos como párocos precisamente no Seminário Comboniano, o primeiro em Portugal. Para mim foi reconfortante e desafiador.
Depois, com a indicação do nosso professor da escola primária, do nosso pároco, e até pela presença de alguns familiares no seminário, entrámos quatro colegas no Seminário Menor de Fornos de Algodres. Desses quatro, dois fomos recebemos o presbiterado, eu e o meu primo, o Pe. José Henrique. Entrámos para o Seminário no quinto ano, com motivações superficiais mas, no fundo, o Senhor serviu-Se de coisas simples e, sobretudo, do testemunho de muitas pessoas. O chamamento vocacional não vem por SMS, ou por um telefonema, mas através de pessoas com rosto, que ficam a marcar a nossa vida. Falo do meu pároco, falo destes missionários e do Padre Ilídio Leandro, que depois foi nosso bispo e que nos acompanhou no percurso do seminário e de tantas pessoas da minha família, de tantos catequistas, professores e tantos outros.
No dia em que celebrámos 25 anos de sacerdócio, eu e o meu primo, tivemos ocasião de agradecer e de dizer, em público, ao D. Ilídio a importância que ele teve como testemunho, de nos ter reunido em pequeno grupo ao redor da Palavra de Vida e o encanto que foi despertando em nós pelo Evangelho como uma Palavra viva, que é para viver pessoal e comunitariamente. Como era importante reunirmo-nos para partilhar, com simplicidade, os frutos, ou as experiências, da Palavra. Recordo-me da dificuldade que tive no início de abrir o coração e partilhar alguma coisa neste grupo, fruto da minha timidez inicial, mas continuo hoje, olhando para trás, a sentir que aqueles encontros quinzenais ou mensais que fazíamos no seminário determinaram todo o percurso da minha vida e que esse encanto pela Palavra se mantém hoje e sem o qual não entenderia a minha vida neste momento.

MB.: Um dos aspetos que continua muito presente na sua vida ainda hoje é a questão da família. Isso já vem dos tempos do seminário?
DNA.:
Sim, sim. O vivermos em comunidade, em família, começa tudo na experiência da nossa própria família de sangue, no testemunho de fé e na simplicidade que os meus pais e demais familiares nos transmitiram.
Ainda há pouco tempo, depois de comunicar aos meus pais esta mudança para Bragança-Miranda e ao regressar a Braga, repetidamente vinha à minha memória algo que sempre me comoveu muito como padre: era quando, na minha aldeia, ao celebrar, colocava a Sagrada Comunhão nas mãos calejadas do meu pai e da minha mãe. Isso sempre me fez tremer. Significa que eu nunca poderei agradecer, nem que viva cem anos, o amor que os pais nos deram, os valores que nos transmitiram e o que significava aquele momento de comunhão.
Claro que este espírito de família implica que o vivamos na vida pastoral. Trata-se daquilo que o Papa diz, na Alegria do Evangelho, a Paróquia ser uma família de famílias, e a diocese comunidade de comunidades.

MB.: Já tem algum conhecimento desta diocese, que já visitou. Que retrato tem atualmente da nossa diocese?
DNA.:
Não me atreveria, já, a fazer um retrato da diocese de Bragança-Miranda. Felizmente não é uma diocese desconhecida, até pela partilha que há na formação dos sacerdotes. Tive, aliás, a sorte de ter sido professor de vários padres que estão ao serviço da diocese. Tivemos, também, a alegria de ter tido vários seminaristas a estagiar nas paróquias, tanto eu como D. Armando, que está nos Açores, quando éramos párocos in solidum. Na cidade de Viseu, as nossas paróquias eram lugar de estágio de alguns padres de Bragança.
Foi para mim uma grande alegria ter participado na cerimónia da bênção da Primeira Pedra da Igreja do Mosteiro Trapista, em Palaçoulo.
Sinto que venho para me colocar a peregrinar juntamente com o povo de Deus que está nesta grande e histórica diocese, recheada de onde tantas figuras daqui partiram, até para terras de Missão e para tantas missões importantes na sociedade e na Igreja.
Sinto o peso da responsabilidade. Mas, antes de mais, desejo conhecer esta bela diocese de Bragança-Miranda. Tenho feito algum esforço para isso, mais bibliograficamente, mas tenho o desejo de conhecer as pessoas, as famílias, as comunidades. Só estabelecendo relacionamentos de comunhão é que é possível sentirmo-nos irmanados e fazemos, de facto, a experiência daquilo que somos a partir do batismo, filhos de Deus e, realmente, irmãos. Hoje em dia, a sociedade espera de nós este testemunho. Cristãos e cidadãos, que a partir dos laços da fé, dão hoje um testemunho feliz, fecundo e fiável.

MB.: E o que espera dos fiéis da diocese?
DNA.:
Espero que procuremos sempre louvar a Deus e viver o Evangelho com fidelidade. Espero que estejamos sintonizados com o Papa Francisco no desafio que ele nos faz para contribuirmos para uma Igreja mais sinodal. A sinodalidade não é espontânea, exige uma aprendizagem. Há que recordar sempre que na Igreja não é só um, mas também não é cada um. Caminhamos juntos com Jesus Vivo em nós e no meio de nós. É preciso reunirmo-nos, gastarmos tempo, se calhar avançarmos mais devagar, mas aquilo que se decidir pastoralmente, e até pessoalmente, que seja fruto da comunhão. Procurando escutarmo-nos uns aos outros, para escutarmos o que o Espírito Santo tem para nos dizer.
É algo extraordinário que eu sinto que vai marcar a Igreja. Sinto que este desafio está aí e conto com todos para percorrermos este caminho.
Depois, gostaria que encanto que sinto pelo Evangelho, pudesse também contagiar muitas pessoas, sem qualquer imposição. Tanto o ritmo como o programa pastoral devem ser vistos em conjunto, depois de nos conhecermos. Mas gostaria que a afeição pelo Palavra de Deus e por Jesus Eucaristia fossem alicerce daquilo que somos chamados a construir pessoal e comunitariamente. Que na base da nossa vida, das nossas decisões, intenções, interrogações; do nosso pensar, sentir e agir; esteja a Palavra, a Palavra Viva que exige uma conversão permanente mas que, depois, dá sentido, consistência e fecundidade ao que vivemos.

MB.: Com a experiência que já tem, que desafios enfrenta um bispo, hoje em dia, sobretudo num território periférico como este?
DNA.:
Sem alongar muito a resposta, diria que tem de estar vigilante para não se desligar da comunhão profunda com Jesus Cristo. Antes de tudo e acima de tudo intimidade com o Senhor. É o centro da vida e da missão do Bispo, que depois não tem fronteiras.
Nunca sair para uma Visita Pastoral sem me colocar diante de Cristo e sentir que vou por Ele, não vou por ir, mas para o encontrar a Ele em cada um. Tenho feito essa experiência. Se esta comunhão está garantida na oração, na eucaristia, na Palavra, então também é verdade que a missão não tem fronteiras.
Não vamos sozinhos, mas vamos em nome de Jesus Cristo. E isso nota-se no que acontece e que nos transcende. Conscientes que o bispo não é salvador, porque o Salvador já veio. Mas a responsabilidade é grande, de criarmos as condições para que o Senhor esteja, presente e atuante, e nos envie o Espírito de Amor.

MB.: Muitas vezes, nos tempos atuais, com tantos estímulos para as pessoas, é mais difícil para os fiéis encontrarem a Palavra. Sente a dificuldade de encontrar vocações? É uma preocupação?
DNA.:
Este é um aspeto a merecer muita atenção, muito empenho, conscientes do que o Senhor nos diz, “pedi ao senhor da messe que mande operários para a sua seara” e é daí que temos de partir. É preciso quebrar a rotina. Se calhar é preciso pensarmos e propormos numa grande oração pelas vocações. Não tenhamos medo de questionar, de interpelar. É preciso, sobretudo, aproximarmo-nos, com disponibilidade e amizade das novas gerações. A nossa vocação também surgiu assim e continua a ser válida esta proposta.

MB.: Uma das constatações atuais é a perda de laços, mesmo dentro das famílias. É importante recentrar a ação das famílias e voltar a dar importância a esses laços?
DNA.:
Acho que temos aqui um campo extraordinário e aberto, a exigir oferecer propostas que podem não ser habituais. É preciso que a família, como família, esteja mais presente na vida pastoral. Isto implica sermos realistas e não pedirmos às famílias aquilo que não é possível. Termos em conta as exigências que a vida familiar hoje tem. Mas há espaço para, a partir de grupos de famílias ou de comunidades familiares, se criarem laços. É fundamental que os laços não sejam só humanos, mas que sejam fundamentados na vivência da Fé e da Palavra.
Apesar de todas as crises e dificuldades, o nosso mundo anseia pelo testemunho de casais e famílias geradas pelo amor oblativo, fecundo, fiel e indissolúvel. Só é possível viver uma amor assim a partir da graça do Sacramento do Matrimónio.
Se as famílias se reúnem na Paróquia, rapidamente dão o salto e se tornam missionárias, partilhando a experiência que fazem a partir do Evangelho.

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