7. A Região Norte e Bragança no 25 de Abril de 1974!
O plano de operações da «Viragem Histórica», destinado a derrubar o regime do Estado Novo, estipulou a divisão do território nacional em duas zonas: Norte e Sul do Douro. Contabilizadas as unidades amigas e identificadas as inimigas e potencialmente hostis, a ideia de manobra preconizava a convergência das forças do MFA para Lisboa, o mesmo acontecendo a Norte relativamente ao Porto. O setor de Lisboa constituía o teatro principal e a zona Norte/Porto o secundário, mas independente daquele, ambos acionados pela «bitola» das duas senhas radiofónicas.
O domínio militar do «grande Porto» funcionaria como uma espécie de reserva operacional para, em caso de necessidade, atuar em proveito da manobra a nível nacional ou, no limite, servir como zona de refúgio se houvesse confrontos e o país se «partisse em dois». De acordo com a organização militar de 1972, na zona Norte/Região Militar do Porto existiam as seguintes unidades: Porto [RI 6, RCav 6, Regimento de Transmissões e Centro de Instrução de Condutores Auto 1]; Gaia [RArt Pesada 2]; Póvoa de Varzim [1.º Grupo de Companhias de Administração militar]; Penafiel [RArt Ligeira 5]; Lamego [Centro de Instrução de Operações Especiais]; Braga [RI 8]; Viana do Castelo [BCç 9]; Vila Real [RI 13]; Chaves [BCç 10]; Bragança [BCç 3]. O Norte era zona de conforto do MFA, onde as únicas unidades marcadas como hostis eram as de Penafiel e de Chaves, a que se acrescentavam a GNR, PSP e Legião Portuguesa, enquanto as de Vila Real e de Braga eram uma incógnita.
A responsabilidade de comando das operações recaiu no major Eurico Corvacho, natural de Torre de Moncorvo, que prestava serviço no QG do Porto, a par do Tenente-Coronel Carlos Azeredo, do CICA 1.
Os objetivos a ocupar ou neutralizar no Porto eram o próprio QG da região Militar, o quartel da Legião Portuguesa e sede da PIDE/DGS, aeroporto de Pedras Rubras e postos televisivo, radiofónicos e de telecomunicações. Através da ação do BCç 9 de Viana do Castelo, reforçado por CICA 1 e tropas de Lamego, o QG foi tomado cerca das 03:30h, sendo detidos os oficiais superiores não-alinhados. O general Martins Soares, comandante da Região Militar, ainda desenvolveu esforços junto de Cavalaria 4 da GNR, RI 8 e RI 13, de Braga e Vila Real respectivamente. Sem efeito, nas unidades do Exército a ação de comando foi travado pelos oficiais afetos ao MFA. O aeroporto foi ocupado ao início da manhã por contingentes aquartelados em Viana do Castelo. O posto emissor do RCP, em Miramar, foi controlado pela unidade de Gaia. Quanto à Legião Portuguesa e à DGS, só no dia seguinte foram manietadas, através do RI 6 de Porto, no primeiro caso, e de parte destes efetivos e do CIOE de Lamego, no segundo. Não obstante a PSP intentar «varrer as ruas», o estertor do regime a Norte, como no resto do país, estava consumado.
Com tradição em Bragança desde a 2.ª metade do século XIX, o Batalhão de Caçadores N.º 3 (BCç 3) foi reativado em 1943, em plena 2.ª Guerra Mundial, e aquartelado na cidadela, sendo extinto em 1958. Em 1966, no contexto da Guerra de África, foi de novo operacionalizado, nas instalações do antigo forte de São João de Deus, como Centro de Instrução Especial de Sapadores de Infantaria. Os batalhões de caçadores eram unidades de reforço, particularmente treinadas e aptas para a guerra de contraguerrilha, constituindo-se mais aligeiradas em matéria de efetivos (com menos companhias) e de armamento (ausência de armas pesadas), prevalecendo a flexibilidade e adaptabilidade atuantes. Como missões sobressaíam as de quadrícula, ou de responsabilidade específica por determinada área, assim como a ocupação de aquartelamentos fixos. Como o BCç 3 formava sapadores de Infantaria, era com essa especialização que tinha a responsabilidade primária de «alimentar» a guerra, contingentes importantes no apoio de operações fosse em ações em minagem e desminagem, facilidades de progressão tática nas picadas ou defesa/proteção de instalações. Realce-se que as minas foram as mais temidas das armas enfrentadas pelas Forças Armadas Portuguesas na Guerra de África, fossem colocadas isoladamente em itinerários ou conjugadas com emboscadas.
À época do 25 de abril, o BCç 3 tinha os órgãos de comando e de apoio administrativo, Companhia de Comando e Serviços, duas Companhias de Instrução/Atiradores e um Pelotão de Sapadores. Era comandado pelo Major Fernando Augusto Gomes, secundado pelos Capitães José Domingos Carneiro e Fernando Garcia Freixo, registando-se os alferes Manuel Gouveia e Francisco Morais. Foi assumido como «unida amiga» pela Comissão Coordenadora do MFA, constando no Plano de Operações, graças envolvimento ativo dos já referidos capitães Domingos Carneiro e Garcia Freixo, os seus lídimos representantes – agraciados recentemente com a Ordem da Liberdade pelo Presidente da República. A única unidade no contexto transmontano, tendo em conta as dúvidas existentes face ao RI 13 de Vila Real e o BCç 10 de Chaves ser listado como «potencialmente hostil».
Nos meses precedentes houve encontros com delegados do MFA em locais anódinos, de modo a definir objetivos aquando do desenvolvimento da operação militar. Na madrugada do dia 25, efetivos do Batalhão foram disseminados por uma área que ia de Bragança a Vilarandelo, destinados, por um lado, a vigiar/controlar incidências na região e, pelo outro, exercer pressão de contenção sobre Chaves, se eventualmente o regime reorientasse esforços de controlo na província. Também o controlo da fronteira (Portelo e Quintanilha) estava previsto no mapa das operações. À semelhança do listado na fronteira de Vilar Formoso para Infantaria 12 da Guarda, Seguro para Caçadores 6 de Castelo Branco, no Caia para Cavalaria 3 de Estremoz ou em Vila Verde do Ficalho para Infantaria 3 de Beja.
Como é sabido, manietado pelos membros do MFA, o regimento de Vila Real não se movimentou para o Porto em apoio da resposta do regime por parte do comando do Região Militar, e Chaves, prensada entre Vila Real e Bragança, aquietou-se. O BCç 3, do lado das forças vencedoras, ao longo da tarde/noite do dia 25, quando o sucesso do MFA era uma realidade a nível nacional, tutelou a estabilidade no Nordeste.
Terra conservadora e pouco atreita a súbitas mudanças do status quo político, como aconteceu com a implantação da República, a 5 de outubro de 1910, ou no próprio 28 de maio de 1926, que depôs essa mesma República e instaurou a Ditadura Militar, as notícias da revolta militar do MFA e da deposição do regime de Marcello Caetano, ao fim da tarde de 25 de abril, a par das movimentações militares do BCç 3, foram acolhidas em Bragança com «expectativa e cautela». Na Praça da Sé verificou-se um pontual ajuntamento de pessoas, «comentando, de forma tímida e discreta, os acontecimentos que então se desenrolavam». A GNR aconselhou à dispersão pois «as forças conservadoras iriam repor em breve a anterior situação». O que não se verificou! Foi só a 27 de abril, com a inequívoca «Viragem Histórica», que se efetuou a primeira grande manifestação popular de homenagem ao MFA e de apoio à Junta de Salvação Nacional, na pessoa do General António de Spínola, também na praça da Sé. A manifestação dirigiu-se exultante para a escadaria do BCç 3, onde foi recebida pelo comandante, Major Fernando Gomes, e o Tenente-Coronel José António Furtado Montanha, antigo comandante e então responsável pela Guarnição Militar de Bragança, figura tutelar das forças militares e de segurança do distrito. A segunda manifestação aconteceu no 1.º maio, com a presença de entidades militares, municipais, religiosas e corporativas, engalanados por milhares de pessoas, onde os discursos marcaram o tom e os aplausos o ritmo. De igual modo, a manifestação apresentou «saudações e cumprimentos ao comandante do B. C. 3».
Nos meses seguintes seguiu-se o processo revolucionário e a anarquia foi-se instalando, sendo o BCç 3 a instituição de referência e a única com real poder, fiel guardiã da boa ordem e da Democracia. Se logo a 27 de abril, o governador civil, o jurista Abílio Machado Leonardo, foi substituído interinamente pelo secretário Dr. Narciso Augusto Pires, em setembro o Major Fernando Gomes assumiu as funções de representatividade governamental no distrito. O comando da unidade foi entregue ao Major Joaquim Abrantes Pereira de Albuquerque, regressado dias antes do 25 abril de 1974 de uma comissão na Guiné. Nessa altura, já o Bcç 3 era pronto-socorro e o ponto de resolução de todos os problemas na região, tendo sob sua alçada praticamente todas as instituições militares, políticas e sociais! Que se tornaria no baluarte contrarrevolucionário da deriva de extrema-esquerda disseminada pelo país. Não por acaso, em 1975 o Conselho da Revolução decretou a sua extinção (DL 181/77, de 4 de Maio), transformado em destacamento do Regimento de Infantaria de Vila Real.