A opinião de ...

Lei da Eutanásia: a porta para a arbitrariedade no direito à vida

Os nossos deputados à Assembleia da República aprovaram no passado dia 29, a Lei da «Antecipação da Morte Medicamente Assistida», nas formas de suicídio assistido e de morte induzida a pedido do doente que manifesta vontade consciente e reiterada de morrer por ser portador de «doença incurável» provocadora de sofrimento insuportável.
A Lei marca assim o fim da morte como processo natural para a conceber como processo arbitrário. Representa uma fractura civilizacional e ética ao introduzir o conceito de morte provocada artificialmente. De aqui à negação arbitrária do direito à vida pode ser apenas uma questão de tempo.
É verdade que os nossos deputados tiveram o cuidado de fazer um Lei suave que até parece ter sido feita para limitar ao máximo a eutanásia, tais são as dificuldades do processo médico-burocrático, em sete etapas (ver estas etapas em https://agencia.ecclesia.pt/portal/eutanasia-a-porta-para-o-abismo-apes…, 02-02-2021, 10h40), em que o doente tem de manifestar reiteradamente, por escrito, que quer morrer, quem quer como «médico orientador» que vai coordenar todo o processo burocrático e convidar um médico especialista para co-avaliar o doente, quem quer que lhe aplique a dose letal e ainda quem quer que assista aos momentos derradeiros da sua vida.
Este processo médico-burocrático contém, no entanto, lacunas várias pois não se entende que a intervenção de um psiquiatra e de um psicólogo clínico só seja feita a pedido do «médico orientador» e do médico especialista «quando o julguem necessário e adequado» face ao comportamento do doente. Por que não sempre? É normal alguém com um comportamento normal solicitar a morte? Mesmo perante o desespero de uma dor imensa? Não há sempre esperança enquanto há vida? Há aqui pois a infracção do princípio da especialidade. Por outro lado, não são claros os momentos em que o doente delega a sua assinatura em outrem quando não sabe ou não pode escrever.
A Lei só permite a eutanásia a pessoas conscientes e lúcidas. Este é um pequeno mérito para os adversários da eutanásia, e a maior limitação, para os «engenheiros sociais» e para os hedonistas irresponsáveis. Não permite assim que pessoas em coma, inconscientes e em estado de vida artificial sejam eutanasiadas por determinação de terceiros (familiares ou tutores). Mas não proíbe – nem poderia proibir - os actos médicos determinantes da morte como o desligar das máquinas ou o deixar de ministrar medicamentos que prolonguem a vida artificialmente apesar da obrigatoriedade de proporcionar uma morte o menos dolorosa possível.
A aplicação da dose letal é praticada ou pelo doente (suicídio assistido ou por um médico e um enfermeiro (morte assistida), que assistem, em ambos os casos, o doente até à morte efectiva. No entanto, a lei não é clara quanto à intervenção obrigatória e simultânea de ambos sendo necessário que esta ambiguidade seja esclarecida.
Finalmente, a Lei é coerente quanto à autonomia ética dos médicos e enfermeiros: a eutanásia não é serviço público obrigatório e, por isso, não é obrigatória nem para médicos nem para enfermeiros, protegidos até pela possibilidade de objecção de consciência.
Porém, todos sabemos que uma coisa é a letra da Lei e outra a sua prática, que abre para muitos possíveis. Até para a compra e para os cartéis da morte.

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3819

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