A opinião de ...

Os «bichos» como preocupação social e política

Há precisamente dois anos e um mês, os deputados do Parlamento Nacional português aprovaram, por unanimidade, uma Lei (Lei 27/2016, de 23/8) que adoptou medidas para a criação de uma rede de centros de recolha oficial de animais e para a modernização dos serviços municipais de veterinária, e estabelece a proibição do abate de animais errantes como forma de controlo da população, privilegiando a adopção e a esterilização» (artigo 1º) mas possibilitando o abate, sempre em centros de recolha oficial e depois de ordem veterinária, em caso de doença incurável e de distúrbios comportamentais graves dos animais (artº 3º).
A Lei teve um período de transição para preparação das condições adequadas entrando em vigor definitivo, no Continente, em 23 de Setembro de 2018, e nas regiões autónomas em 23 de Setembro de 2022, sem prejuízo de os municípios destas poderem antecipar as normas e práticas nela previstas.
Curiosamente, a Lei não estabelece que animais são seu objecto e apenas a Portaria 146/2017, de 23 de Abril, refere que se trata preferencialmente de animais de companhia, cães e gatos, podendo presumir-se ainda outros. Porém, esta Lei e este Regulamento nada determinam nem sobre os cães e gatos não irreversivelmente doentes nem sobre os que não tenham comportamento agressivo que não tenham sido adoptados.
Ou seja, continuamos na mesma porque os canis e gatis encher-se-ão face à agora proibição de abate fora de situações de doença e de comportamento agressivo. A Lei é por isso inconsequente embora tenha o mérito de tentar retirar da rua os cães e gatos errantes, algo que já competia às câmaras municipais. Faz lembrar a lei do regime consular de Gomes da Costa (1926-1928) sobre a proibição da mendicidade nas ruas de Lisboa.
A Lei fez emergir assim duas novas tarefas municipais: os mediadores de adopção de animais e os declarantes ou de insanidade ou de comportamento agressivo ou de ambos. Estas duas tarefas já existiam mas agora foram elevadas ao estatuto de legais trazendo reconhecimento e prestígio profissional aos seus titulares. A primeira é altamente perigosa porque se presta à corrupção e deve ser vigiada. A segunda deve exigir o estatuto deontológico dos médicos veterinários.
Mas esta Lei é ainda inconsequente numa outra dimensão: nada articula nem sobre as condições de segurança e sanidade na detenção de animais por particulares nem sobre a protecção das pessoas no seu direito ao sossego durante as horas de descanso. Nada articula ainda sobre coimas por incumprimento legal e penas por crimes contra a saúde e contra a segurança de pessoas e bens. É verdade que existem já outras leis como a de detenção de animais perigosos, a de detenção de animais e a lei do ruído mas está tudo muito disperso e, sobretudo, muito pouco objectivo, o que dificulta a actuação das autoridades.

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