A opinião de ...

Ai Catalunha!

Quando o tema é o nacionalismo e o direito histórico de todos os povos à sua autodeterminação fica difícil distinguir, claramente, o que é justo do que é injusto; o que é bom do que é mau; o que é legítimo do que é ilegítimo; o que é legal do que é ilegal.
Mas uma coisa é certa: não é fácil entender que numa democracia em que, por princípio, o poder se exerce em nome do povo, seja a vontade desse povo ignorada e reprimida, por ser “ilegal” e que sejam condenados e presos os que evidenciam, talvez com exageros (e então?) os defeitos de quem manda sem nunca ter recebido um mandato para tal. O catalão José Miguel Arenas Beltrán está exilado na Bélgica, depois de condenado em Espanha por “incitamento à violência”. O Rapper apelou à revolta contra a opressão madrilena, apelidando de ilegal a prisão de vários políticos catalães. Pablo Hasél foi preso por, segundo a delegação espanhola da Amnistia Nacional, “exercer a sua liberdade de expressão”. Pablo acusa a coroa espanhola de ser corrupta e saqueadora da riqueza nacional. É uma opinião, tão válida como a dos que a acham justa, íntegra e altruísta. Contudo é bom não esquecer que não foi pelo seu bom comportamento, pela sua dedicação à causa pública, nem pela sua abnegação que Juan Carlos Bourbón se viu obrigado a renunciar ao posto mais elevado do país vizinho. É verdade que não foi ainda condenado e, como tal, merece ser presumido inocente, mas, por alguma razão foi, que o próprio filho lhe apontou o caminho da rua e anunciou a renúncia à herança paterna. Rejeição curiosa já que o melhor dela, o trono, não foi enjeitado! Sendo certo que Juan Carlos não foi (ainda) julgado, o seu genro, Iñaki Urdangarin, cunhado do atual rei, foi condenado por corrupção. Vendo-se, por ironia, expulso da página oficial da monarquia espanhola pelo anterior rei de Espanha.
Em setembro de 2006 a escritora Isabel-Clara Simó escreveu no diário catalão Avui “Admiro els portuguesos. Els admiro perquè, enfront de la poderosa maquinaria castellà, se n’han sabut sortir; perqué s’han sabut guanyar la independência”, referindo-se aos acontecimentos de 1640.
A partir de então, a Catalunha é a outra imagem de Portugal, do lado de lá do espelho. E, em boa verdade, dignos de admiração são os catalães que, apesar de esmagados pela poderosíssima máquina bélica castelhana, continuaram a alimentar a alma e o espírito patriótico resistindo à coerção “legal”, à intolerância judicial, à repressão policial, à tentativa de sufoco económico do governo central (no auge das reivindicações independentistas, foram várias as empresas “ameaçadas” por Mariano Rajoy), à forçada miscigenação promovida por Francisco Franco que, é bom não esquecer, designou como seu sucessor o pai do atual rei Filipe de Espanha (pronunciar estas quatro palavras juntas causa-me azia!). Passados quase quatro séculos, dominados pelas armas, pelas leis, pela polícia e pelo poder centralizador, em plena pandemia, os catalães, foram às urnas dizer que o fervor independentista está vivo, é maioritário e manifesta-se livremente, sem prender ninguém, mas também sem temer quem, injustamente, os prende.
Fico arrepiado sempre que ouço, em Portugal, louvar e clamar por uma Espanha única e unida!

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