A opinião de ...

O direito à alimentação adequada

Uma das observações mais habituais quando comento, no meu círculo de relações, que estou a trabalhar em Trás-os-Montes, é que aqui se come muito bem.
Há até pessoas que fazem, com alguma frequência, expedições gastronómicas do litoral ao interior para vir provar as iguarias que por cá se confecionam, começando desde logo pela famosa posta mirandesa.
E não há dúvida que a cozinha transmontana é saborosa e abundante, fazendo as delícias de quem aprecia a boa mesa.
Contudo, quem está deslocado de casa e faz refeições regularmente em estabelecimentos de restauração transmontanos, facilmente se depara com as questões do desperdício alimentar e da necessidade de uma alimentação equilibrada.
As refeições fortes e abundantes têm provavelmente as suas raízes na cultura rural, correspondendo à necessidade de as pessoas se nutrirem bem para poderem enfrentar longas e duras jornadas de trabalho físico na agricultura.
Por outro lado, não se pode esquecer que, na memória de muita gente, subsistem ainda as privações alimentares que, por força da desigualdade e da pobreza, muitos sofreram várias décadas atrás, infundindo desejos compensatórios de abundância.
No entanto, a realidade social transformou-se e, especialmente no contexto citadino, de trabalho sedentário no comércio e serviços, as necessidades alimentares são diferentes do que eram antigamente.
Além disso, atualmente, é conhecido o impacto da alimentação na saúde, para o bem e para o mal. Na verdade, longe vão os tempos em que a aristocracia europeia era consumida pela gota, ignorando que a mesma era causada pelo aumento de ácido úrico no sangue por excesso de consumo de carne, só para citar um exemplo.
Acresce que hoje a alimentação tem também, direta ou indiretamente, impacto sobre o clima, quer pelo tipo de produção agroindustrial intensiva que induz a montante - incluindo o respetivo transporte, sobretudo de longo curso -, que provoca a desflorestação e o esgotamento dos solos, quer pelo desperdício que gera a jusante, com a necessidade de recolha e tratamento de lixo orgânico.
Pelo exposto, tem-se vindo a falar crescentemente do direito à alimentação adequada, que põe ênfase não apenas no combate à fome, mas também na informação nutricional e na soberania alimentar, de modo a facilitar o acesso a uma dieta equilibrada e a promover a produção local.
O direito à alimentação adequada recorta-se do artigo 25º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, sendo, por isso, tratado como um direito fundamental universal, sujeito ao princípio da igualdade.
E esta questão é importante, visto que está estudada a relação entre as diferenças de nível sociocultural e o tipo de dieta, verificando-se que é nos grupos sociais mais desfavorecidos que a mesma é menos saudável, por excesso de alimentos com hidratos de carbono e gorduras, favorecendo os fenómenos de obesidade, nomeadamente infantil, com todas as suas repercussões negativas.
Assim sendo, é chegado o tempo de se aprender a distinguir entre “comer muito” e “comer bem”, com vista a melhorar os índices de saúde individual e a preservar a sustentabilidade do planeta.
Trata-se de um desafio coletivo, que carece do envolvimento das entidades públicas e privadas, bem como dos cidadãos em geral, sem que isso tenha de pôr em causa a cozinha tradicional regional e os prazeres da boa mesa, desde que calibrados na medida certa.

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