A minha ferida muito má
Quando o médico me disse
– E outros médicos confirmaram –
Que eu tinha uma ferida muito má,
Estava bem longe de supor que o abatimento em que vivia
Resultava apenas dessa ferida que me atormentava,
Dia a dia.
Porém, tanta felicidade me envolveu
Que, numa operação bem-sucedida,
Me foi retirada essa má ferida.
Agora sinto-me bem
E só peço que a ninguém
Aconteça o mal que eu tive.
Se eu soubesse o alcance desse mal,
– Que depois me foi dado saber que era mortal –
Havia de ser bonito!
Com tanta coisa pra fazer e pra acabar,
Nem sei bem como haveria de me arranjar.
Por acaso,
Ainda tive muitos anos pra viver…
Mas… Que faria eu, se, de vida,
Tivesse apenas um dia?
Mal daria para me despedir!
E se fosse um mês?
Bem, se fosse um mês,
Poderia, talvez,
Alinhavar umas coisas,
Registar um ou outro segredo
E abalar, cheio de medo.
E se fosse um ano?
Se fosse um ano, poderia – vamos lá! –
Preparar uma boa partida,
Reparar quase nada do que fiz mal na vida.
E, sem abalançar-me a poder mais,
Juntar-me-ia, enfim, aos meus ancestrais.
E se fossem dez anos?
Ora, ora! Se fossem dez anos,
Teria de fazer, sem dúvida, outros planos,
Organizar a vida noutra perspetiva,
Bem mais ativa,
E sem pessimismos,
Orientá-la para ganhar muito dinheiro
(Hei de lembrar-me sempre disto!),
Para não mais ver-me em apuros
Como, às vezes, me tenho visto.
E se fossem trinta anos?
Ora essa! Trinta anos já dão
Um bom motivo de reorganização
E de esperança
Que, quanto mais verdadeira,
Tanto mais a gente alcança.
Nesta esperança me encontraria.
Por ela, decerto, mudaria
E com ela, descansado,
Ter-me-ia melhor realizado,
Ambicionando ir muito mais além.
É que a vida
Não pode hostilizar ninguém
Que consegue viver por mais trinta anos
Depois de ter sofrido dos doutores
Tantos, tão fortes e graves desenganos
Que, só por si,
Bastariam para matar também.